Sydney Sweeney empresta dignidade ao polemismo de Imaculada

Créditos da imagem: Neon/Divulgação

Filmes

Crítica

Sydney Sweeney empresta dignidade ao polemismo de Imaculada

Atriz corresponde com verdade tanto na mansidão quanto na catarse

Omelete
3 min de leitura
13.09.2024, às 12H34.

Na tradução para o português que o filme Imaculada escolhe para o versículo quinto de Mateus 5, se frisa que são “bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a terra”. Há versões da Bíblia que substituem a palavra “mansos” por “humildes”, mas no filme dirigido por Michael Mohan faz mais sentido - e o roteiro repete isso no limite do literal - associar a condição do rebanho católico à passividade.

Trata-se, afinal, de um filme de terror americano e boa parte deles vai acabar aderindo, mesmo que inconscientemente, a um sistema de valores protestante - orientação religiosa predominante no país. Isso significa dizer que Imaculada tratará o pastorado católico como um conluio de conspiracionistas e os seus “mansos” seguidores como masoquistas. Comparar um filme europeu sobre freiras e um filme americano sobre freiras é constatar ainda que no primeiro as refeições, com pão e água, refletirão a escolha de uma vida ascética, enquanto a rotina do convento em Imaculada parece um banquete do Vaticano.

Encarar a Igreja e seus segredos como um ambiente de privilégios ecoa, neste caso, um modismo cada vez mais latente numa Hollywood que vê reacender no país a luta de classes: os filmes de schadenfreude contra os podres de rico. Sob essa ótica, o despertar da irmã Cecilia (Sydney Sweeney), que de repente se descobre grávida quando chega a um convento na Itália, é um chamado para a consciência social não apenas de um ponto de vista político (seu corpo, suas regras) mas também econômico (os tesouros do convento, da cruz de ouro ao prego ancestral, não por acaso, serão instrumentalizados no clímax e “deixarão de ser” tesouros apenas).     

Antes de repercutir uma certa visão de mundo, essas escolhas servem aos códigos que o cinema de terror elege em nome da efetividade. Não há tropo mais popular no gênero do que aquele da donzela indefesa que precisa se brutalizar para tomar as rédeas da vida nas próprias mãos, e Sydney Sweeney interpreta aqui uma versão da sonsa virginal que é testada até o limite da sua passividade. Imaculada lhe ressalta a “mansidão” porque, para além da forma como Mohan e o roteirista Andrew Lobel enxergam os católicos, é a partir dessa mansidão que a reviravolta catártica ganhará mais impacto.    

Michael Mohan já havia trabalhado com Sweeney no suspense Observadores, de 2021, e o terror não é exatamente o seu forte. Falta a Imaculada uma vocação e uma gana para tirar de cenas isoladas todo o potencial do momento, gana essa que não falta, por exemplo, a Michael Chaves quando faz de A Freira 2 um ótimo compilado de pequenas construções-e-entregas de climas e sustos. Imaculada tem um propósito a servir, a saber, posicionar-se como polemista em torno da questão do aborto (tema dado desde o momento em que Cecilia minimiza a “escolha” ao oficial da Imigração), e todo o miolo do filme parece transcorrer como uma obrigatoriedade em direção a esses finalmentes.

Se o filme se sustenta do começo ao fim, ainda que precariamente, isso se deve muito à dignidade que Sydney Sweeney empresta à sua personagem. A atriz é colocada numa posição ingrata porque seu poder de agência é terceirizado na maior parte do tempo (cabe à freira “maluquinha” interpretada por Benedetta Porcaroli ser a questionadora do que elas veem) ao mesmo tempo em que Imaculada não se furta a sexualizar a figura de Sweeney sempre que pode. Esse cenário desfavorável, porém, tira da atriz uma força de arrebatação na virada; a cena do corrimento de fato parece surpreender o espectador da mesma forma que surpreende os personagens. 

Ao diretor Michael Mohan não resta muito senão registrar esse despertar de Cecilia com o mínimo de interferência, então é de se esperar que Imaculada termine com um plano-sequência em close-up na atriz. Nesse momento, tudo aquilo que o filme articulou no discurso (a consciência do flagelo, do dogmatismo, o olhar convenientemente estreito sobre o que significa a fé católica) se materializa e se justifica no corpo presente de sua protagonista.

Nota do Crítico
Bom
Imaculada
Immaculate
Imaculada
Immaculate

Ano: 2024

País: Itália/EUA

Classificação: 18 anos

Duração: 89 min

Direção: Michael Mohan

Roteiro: Andrew Loel

Elenco: Álvaro Morte, Sydney Sweeney

Onde assistir:
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