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Madame Satã | Crítica

<i>Madame Satã</i>

08.11.2002, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H13

A unanimidade é burra, já dizia Nélson Rodrigues (1912-1980). Se a máxima do dramaturgo e jornalista estiver correta, o filme Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, soma muitos pontos a seu favor.

Durante a exibição, em maio de 2002, no Festival de Cannes, muitos críticos abandonaram a sessão no meio, constrangidos com cenas fortes de sexo homossexual, com o tom provocativo da narrativa e com a variação exótica de foco, luz e sombras.

Já no Festival de Biarritz, também na França, Aïnouz recebeu o prêmio de melhor diretor. No Festival de Chicago, em Outubro, o filme levou o prêmio máximo, o Hugo de Ouro. E, na Mostra BR de São Paulo, a coroação em casa: Lázaro Ramos, o protagonista, teve o trabalho de interpretação lembrado com uma menção honrosa.

Cearense, de mãe brasileira e pai argelino, em seu primeiro longa, Aïnouz responde pela polêmica, mas, na verdade, o próprio mote já nasceu na controvérsia. Malandro, homossexual, transformista, capoeirista, cozinheiro e pai adotivo, João Francisco dos Santos (1900-1976) personificava o lado mais obscuro da Lapa carioca dos anos 30 e 40. No carnaval de 1942, libertado depois de cumprir dez anos de prisão por homicídio, João Francisco incorporou uma personagem num baile e vence o concurso de fantasias - o traje, de nome Madame Satã, saiu de um filme homônimo de 1930, de autoria de Cecil B. DeMille (1881-1959).

A fama de João Francisco cresceria a partir daí, mas Aïnouz opta, arriscada e inteligentemente, por retratar os acontecimentos de 1932, os primeiros anos de sua vida adulta, artística - e criminosa. Na época, a visão de uma boemia pacata, carnavalesca, perde força diante do visível preconceito. Fica prejudicada a pretensão biográfica, mas se enriquece o aspecto da criação psicológica do mito.

Avesso ao estigma do negro pobre, a personagem faz nascer uma resistência combativa. O trabalho de Lázaro Ramos, outro estreante, transmite perfeitamente o espírito indomável do protagonista. Além disso, a técnica do premiadíssimo Walter Carvalho (Central do Brasil, Abril despedaçado, Lavora arcaica), diretor de fotografia, merece nota. Com planos fechados, valoriza o trabalho do elenco e contorna a dificuldade da reconstituição da época - mesmo com as gravações na própria Lapa, aquele tempo arquitetônico não existe mais. E ainda, com a luminosidade certa e momentos conscientes de desfocalização, faz crescer ainda mais a aura do mito, mesmo que a cena transcorra na mais fechada penumbra.

Alguns críticos podem discordar, mas Madame Satã fica ao lado de Cidade de Deus (de Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2002) como um dos melhores filmes brasileiros do ano. E aguarde: Lázaro Ramos protagoniza também Carandiru, a esperada película de Hector Babenco.

Nota do Crítico
Excelente!
Madame Satã
Madame Satã
Madame Satã
Madame Satã

Ano: 2002

País: Brasil

Classificação: 16 anos

Duração: 105 min

Direção: Karim Aïnouz

Elenco: Marcélia Cartaxo, Flávio Bauraqui, Felippe Marques, Emiliano Queiroz, Renata Sorrah, Floriano Peixoto, Gero Camilo, Lazaro Ramos

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