Cena de Imaginário (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Imaginário (Reprodução)

Filmes

Crítica

Imaginário é uma ótima aventura da Disney dentro de um péssimo filme de terror

Difícil lembrar, no entanto, da última vez que um horror se mostrou tão inventivo

Omelete
4 min de leitura
19.09.2024, às 11H59.

Nada na primeira hora e pouco de Imaginário - Brinquedo Diabólico pode te preparar para as bizarrices que te aguardam no terceiro ato do filme. O novo longa de terror da Blumhouse esconde tão bem suas tendências mais fora da curva, e acaba as liberando tão desavisadamente, de forma tão surpreendente, que o impulso é elogiar o diretor Jeff Wadlow (de Verdade ou Desafio e Ilha da Fantasia, ambos também financiados pelo estúdio) pelo que é quase um truque de ilusionismo - ou o que em inglês seria chamado de “bait-and-switch”, em referência à prática comercial de atrair o consumidor com um produto barato para depois vender a ele algo muito mais exclusivo e, por isso mesmo, mais caro.

E de fato existe arte nesse contraste, nesse engodo. Wadlow constrói boa parte de Imaginário em cima dos chavões mais básicos do horror de médio orçamento, se esquivando constantemente de oportunidades de se apoiar no trash. Apesar do subtítulo brasileiro, por exemplo, Brinquedo Diabólico se recusa a mergulhar de cabeça no subgênero dos bonecos assassinos, e hesita até em mostrar seu ursinho de pelúcia maligno se movendo muito. O máximo que o filme faz, em termos de sugestão estilística, é incluir assombrações ligeiramente deformadas no fundo de suas cenas, sempre fora de foco, um jogo que não é novo no cinema de terror, mas que causa algum desconforto mesmo assim.

É, enfim, um comprometimento tão irrestrito ao medíocre, um confinamento tão inflexível ao ordinário, que fica difícil não pensar que é proposital - um exercício de esvaziamento dos pilares do horror contemporâneo, arquitetado para colidir com a explosão de criatividade que vem a seguir. E aqui talvez seja um bom momento para apontar que Wadlow divide o crédito de roteiro de Imaginário com Greg Orb e Jason Oremland, dupla cujo currículo consiste principalmente de títulos infantojuvenis como Monster High: O Filme, UglyDolls e a animação A Princesa e o Sapo, da Disney. Tendo em vista a estrutura que o filme eventualmente assume, parece um detalhe relevante.

Na trama de Imaginário, Jessica (DeWanda Wise) se muda de volta para a casa onde passou a infância, ao lado do novo marido Max (Tom Payne) e das duas enteadas, Alice (Pyper Braun) e Taylor (Taegen Burns). Por lá, a pequena Alice parece se apegar a um amigo imaginário, inicialmente encarnado no ursinho de pelúcia que ela chama de Chauncey, que a obriga a realizar missões cada vez mais estranhas e, eventualmente, violentas. O que poderia ser mais uma história de casa mal-assombrada, ou mais uma exploração do potencial macabro da imaginação infantil (para ser justo, o filme até investe um pouco nessa vertente durante o clímax) aos poucos se mostra, essencialmente… bom, uma aventura da Disney.

A saber: Imaginário está mais para Se Minha Cama Falasse (1971), Abracadabra (1993) e Halloweentown (1998) do que para os remakes live-action de animações clássicas nos quais o estúdio se apóia hoje em dia. E o time criativo do filme parece entender todas as pedras-de-toque desse subgênero, da protagonista infantil cheia de trejeitos teatrais (Pyper Braun, de A Casa de Raven, faz uma ótima emulação de Drew Barrymore) à coadjuvante idosa excêntrica que está no filme só para explicar a sua mitologia convoluta (Betty Buckley, de Carrie - A Estranha, é uma boa Debbie Reynolds), passando pela inspiração estética erudita inesperada de suas sequências de fantasia (que tal uma pitadinha de M.C. Escher no seu filminho pipoca da vez?).

Há algo de subversivo em como Imaginário abraça esses e outros significadores a fim de se libertar de outros, que considera imensamente mais limitantes. Inserir o esqueleto de uma fantasia nostálgica da Disney dentro da lógica de um terror para maiores da Blumhouse permite, talvez obviamente, que as entrelinhas mais grotescas do primeiro se explicitem dentro do espaço deixado pelo segundo. E a corrente iconográfica de Imaginário aflora no design de produção de Meghan C. Rogers (Preacher), repleta de criaturas de borracha e cenários distorcidos que se apoiam em uma destemida perversão do doméstico, do infantil, do familiar. É um trabalho genuinamente brilhante, empoleirado no limiar perfeito entre perturbador e estimulante.

Mas melhor ainda é como o filme faz tudo de forma muito consciente, como ele percebe e sublinha o vazio estético fundamental do terror comercial contemporâneo médio que Jason Blum pastorou durante a última década, só para depois rechaçá-lo com a vitalidade de uma última meia hora energizada pelas possibilidades de um tipo de cinema totalmente alheio a ele. Há de se apreciar que Wadlow, talvez calejado por suas experiências anteriores com o estúdio, tenha escolhido usar sua terceira oportunidade na seara para amplificar um choque inventivo que se mostra cada vez mais necessário para o horror hollywoodiano - mesmo que isso resultasse em um filme inevitavelmente frustrante.

Por que, para ser honesto, é difícil defender Imaginário como obra integral, como experiência de cinema. Justamente por estar tão bem dividido entre tédio e inspiração, o filme é mais lição-de-casa do que entretenimento… mas, como tese cultural e exercício de provocação, poucos filmes de horror recentes se mostraram tão vitais quanto este.

Nota do Crítico
Bom
Imaginário - Brinquedo Diabólico
Imaginary
Imaginário - Brinquedo Diabólico
Imaginary

Ano: 2024

País: EUA

Duração: 104 min

Direção: Jeff Wadlow

Roteiro: Jason Oremland, Greg Erb, Jeff Wadlow

Elenco: Tom Payne, Veronica Falcón, Betty Buckley, DeWanda Wise, Pyper Braun, Taegen Burns

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