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Moça com Brinco de Pérola | Crítica

<I>Moça com brinco de pérola</I>

03.06.2004, às 00H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 02H01

Moça com brinco de pérola
Girl with a Pearl Earring
Inglaterra/Luxemburgo
2003 - Drama - 95 min.

Direção: Peter Webber
Roteiro: Tracy Chevalier (livro), Olivia Hetreed (roteiro)

Elenco: Colin Firth, Scarlett Johansson, Tom Wilkinson, Judy Parfitt, Cillian Murphy, Essie Davis, Joanna Scanlan, Alakina Mann, Chris McHallem, Gabrielle Reidy, Rollo Weeks, Anna Popplewell, Anaïs Nepper, Melanie Meyfroid, Nathan Nepper

Deve ser extraordinário sentar ao lado de um mestre dos pincéis e assisti-lo enquadrar o modelo, misturar as tintas, escolher a luz, aplicar as camadas de cores, preencher a tela devagar... Imagine conferir o que se passa na cabeça de um Edvard Munch quando O Grito ganha vida... E quem nunca desejou saber por que Mona Lisa dava aquele sorriso safado? Pois se há algum deleite em conferir o filme Moça com brinco de pérola (Girl with a pearl earring, 2003), ele está justamente no ato da pintura.

Peter Webber, diretor de filmes para a TV em sua primeira incursão nos cinemas, pretende recriar o contexto em que Johannes Jan Vermeer (1632-1675) pintou a tela que dá nome ao filme, provavelmente o mais famoso dos seus trinta e poucos trabalhos. Para tanto, Webber se baseia no romance homônimo que a norte-americana Tracy Chevalier escreveu em 1998.

Nele, Vermeer (aqui vivido pelo galã Colin Firth) sofre como a galinha-dos-ovos-de-ouro de uma família opulenta e cada vez mais numerosa. Sua mulher não cessa de parir - motivo pelo qual a sogra insiste nos agrados ao rude mecenas Pieter Van Ruijven (Tom Wilkinson). Vermeer pinta o que o seu patrocinador pede. Quando teima em criações próprias, que duram meses de labuta, amotinam-se as mulheres. A chegada de uma nova criada, a pobre e bela Griet (Scarlett Johansson), não geraria, então, nenhuma mudança no ambiente. Mas eis que as tarefas domésticas a levam ao estúdio do pintor - e os embates na casa se agravam.

De fato, o holandês Vermeer tinha pouco apego mercantil às suas obras - apesar dos mais de dez filhos que tivera na realidade. Isso fez com que o verdadeiro valor de seu trabalho fosse reconhecido tardiamente, já no século XIX. Mas seria improdutivo procurar outras veracidades históricas dentro do relato abertamente ficcional de Tracy. Assim, vamos a uma análise formalista do filme.

Gata borralheira

As três indicações ao Oscar evidenciam as qualidades da película. O figurino, a direção de arte e a fotografia são realmente soberbos. O fotógrafo português Eduardo Serra sabe como iluminar as cenas passadas no estúdio de modo a ressaltar aquela que é a grande virtude de Vermeer: capturar cenas cotidianas em ambientes fechados sem empobrecer o uso da perspectiva, ressaltando o tratamento sutil das várias tonalidades da luz do dia.

Mas há um problema na ficção. Tracy Chevalier constrói a trajetória de Griet - e o roteiro de Olivia Hetreed a avaliza - com base em todo tipo de vício de histórias de gata borralheira. Filha única de uma família humilde, a menina arruma trabalho justamente numa casa de família tão abastada quanto grosseira. Como Cinderela, sofre nas mãos de megeras autoritárias, de jovens invejosas e encontra compreensão apenas na figura masculina do príncipe sensível. Ali, todos comem, andam, dormem e agem com modos medievais, menos a delicada criada. Só faltou a fada madrinha.

Essa opção pela fábula seria compreensível se Moça não se levasse tão a sério. Como o filme se imagina uma nobre reconstituição de época, as caricaturas tendem a ser mais risíveis: o sério Tom Wilkinson não se identifica atrás do bigode desgrenhado do mecenas, a sogra vivida por Judy Parfitt é digna das piores bruxas e o manjado Colin Firth não convence como artista atormentado. Até a filha bisbilhoteira e malcriada de Vermeer parece um Corujito atocaiado, escorada em cada canto da casa, como a câmera faz questão de reiterar a cada momento, até o limite do clichê.

Com uma certa boa vontade, dá pra dizer que esses deslizes, assim como a impessoalidade do drama e a burocracia da direção, não contaminam o prazer de ver o quadro nascer. As silenciosas trocas de aprendizados entre Vermeer e Griet são preciosas. Scarlett observa os materiais, as tintas, as cores, com o mesmo olhar pueril com que descobre a Tóquio de Encontros e desencontros (Lost in translation, de Sofia Coppola, 2003). Posa para o quadro com a mesma expressão fragilizada que a torna tão covardemente encantadora. Aliás, justiça seja feita: não fosse o carinho com que a câmera contempla os lábios inigualáveis de Scarlett, Moça ficaria às margens do desqualificável.

Nota do Crítico
Bom
Moça com Brinco de Pérola
Girl with a Pearl Earring
Moça com Brinco de Pérola
Girl with a Pearl Earring

Ano: 2003

País: Inglaterra/Luxembrugo

Classificação: 12 anos

Duração: 100 min

Direção: Peter Webber

Elenco: Scarlett Johansson, Colin Firth, Tom Wilkinson

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