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Se você lia gibis nos anos 70 ou 80, certamente vai se recordar dos atrapalhados agentes secretos Mortadelo e Salaminho. Criados em 1958 pelo genial desenhista espanhol Francisco Ibáñez, os dois operativos da paupérrima organização de espionagem T.I.A. (Técnicos de Investigação Avançada), rapidamente tornaram-se as mais populares personagens de quadrinhos da Espanha. Aqui no Brasil, foram publicados em uma revista de longa duração da Rio Gráfica Editora e em diversos álbuns da extinta Editora Cedibra, hoje disputados a tapa pelos colecionadores. Mais recentemente, ensaiou-se revivê-los pela Editora Manole, mas a iniciativa não teve continuidade. No ano passado, os agentes, que já estrelaram numerosos desenhos animados (exibidos no Brasil pela Fox Kids), ganharam seu primeiro filme com atores, Mortadelo e Salaminho - Agentes quase secretos (La gran aventura de Mortadelo y Filemón). A película do diretor Javier Fesser foi a mais cara e uma das mais bem sucedidas da história do cinema espanhol. Porém, terá sido eficiente a adaptação para as telas deste sucesso de mais de quarenta e cinco anos? Felizmente, a resposta é sim! O filme reproduz de maneira impecável o clima das HQs de Ibáñez, com direito a suas figuras exóticas, a insanos e abundantes detalhes do fundo e até ao ar terceiromundista das suas aventuras. O humor da série sobreviveu intacto, preservando o sabor pastelão dos gibis. Quem prefere sofisticação pode até torcer o nariz, mas aposto que mesmo o espectador mais exigente vai cair na gargalhada. Boa parte do mérito da produção cabe ao elenco. Os atores, escolhidos a dedo, guardam semelhança assombrosa com suas personagens! Destaque para Benito Pocino, que, embora não seja totalmente calvo, executa com perfeição a árdua tarefa de dar vida a Mortadelo e a seus inúmeros disfarces. Não ficam para trás, porém, seus colegas, Pepe Viyuela (Salaminho), Mariano Venâncio, (Super), Janfri Topera (o professor Bactério) e todos os demais. As outras qualidades do filme são seu desenho de produção e os efeitos especiais. O primeiro reproduz detalhadamente a ambientação das HQs, enquanto os efeitos mostram o quanto a popularização das técnicas digitais beneficiou produções não-hollywoodianas. Alguns anos atrás, uma película destas custaria uma fortuna e só poderia ser realizada em grandes estúdios americanos. A trama? O professor Bactério inventa uma arma revolucionária, o DDT (Desmoralizador De Tropas), que permite derrotar exércitos sem usar violência. O dispositivo é roubado da sede da TIA nas barbas de Mortadelo e Salaminho e levado para Tirania, país cujo ditador (Paco Sagarzazu, fazendo um Pinochet ainda melhor do que o original!) está de picuinha com a Rainha da Inglaterra (Emiliana Olmedo, perfeita), o que motiva o Super a chamar o superagente Fredy Mazas, o astro convidado Dominique Pinon, de Alien 4, Amélie Poulain e praticamente todos os outros filmes de Jean-Pierre Jeunet. No entanto, Mortadelo e Salaminho não aceitam ser passados para trás... Vale mencionar que o filme está repleto de personagens menos conhecidas de Ibáñez, como a secretária Ofélia (Berta Ojea, de A espinha do Diabo), que só apareceu no Brasil no álbum da Manole, o baixinho míope Rompetechos (o ex-barítono Emilio Gavira) e até o edifício da Rua dos Bobos 13 (no original 13 Rue del Percebe), inédito por aqui e habitado por tipos estranhos. Desconhecer tantas referências assim, porém, não afeta a compreensão do roteiro. Em todas as suas nuances, o filme é impagável. Poucas vezes, uma HQ teve divulgação tão bem feita. Uma editora nacional mais astuta (isso existe?) faria bem em aproveitar a oportunidade para relançar, no Brasil, Mortadelo e Salaminho, um gibi que já conta com uma centena de álbuns inéditos no Brasil.
Ano: 2003
País: Espanha
Classificação: LIVRE
Duração: 107 min