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Os primeiros minutos de um filme são cruciais: anunciam um lento fracasso ou garantem o interesse do espectador até o final da sessão.
O Júri (Runaway jury, 2003) começa com a morte do corretor Jacob Woods (Dylan McDermott). Junto com outras pessoas de um escritório de finanças, ele é assassinado por um ex-funcionário descontrolado, que se suicida após o massacre. Acontece que, na noite anterior, Woods comemorara o aniversário de seu filho pequeno. Na manhã do crime, mostra-se muito mais compreensivo, calmo e otimista que qualquer outro parceiro de trabalho. Quando começam os sons da metralhadora, Woods se preocupa com a segurança de sua secretária e, inclusive, se arrisca diante do perigo. Em suma, morre injustamente um funcionário modelo, heróico até, e excelente pai de família.
Pronto. Em dez minutos, mais que manjados, O Júri escreve a sua própria sentença. Não é difícil adivinhar que virá uma série de lições moralistas e um sentimentalismo dispensável. Em certa hora, claro, quando a viúva de Woods tenta processar o fabricante de armas, as filmagens do aniversário do menino serão usadas no tribunal. Cabe aqui uma pergunta: se Woods fosse um pai escroto, profissional medíocre, morto numa manhã de péssimo humor, a sua causa seria menos digna, menos defensável? Mal o filme começa e o seu "bom-mocismo" óbvio prejudica o resultado final. Não chega a sepultar a produção, mas tira o vigor de seu objetivo principal: criticar a indústria bélica norte-americana.
Talvez isso seja causado pelas liberdades que os roteiristas tomaram na hora de adaptar o best-seller de John Grisham, originalmente sobre a indústria do tabaco. Ou então pela direção inconstante de Gary Fleder, mais habituado às trivialidades de de thrillers medianos, como por exemplo O Refém do silêncio (Don´t say a word, 2001). Mesmo assim, O Júri tem bons atrativos. É a primeira vez que os amigos Gene Hackman e Dustin Hoffman dividem a tela, escoltados pelo cada vez melhor John Cusack. E vale a pena conferir o ritual mascarado de golpes escusos que marca um julgamento com júri popular, detalhes poucos conhecidos do grande público.
Na trama, advogados ficam em segundo plano. Destaca-se a figura sinistra do consultor-de-júri, um sujeito especializado em escolher jurados que tenham o perfil do veredicto que procura. Hackman interpreta Rankin Fitch, o defensor dos acusados. Para conduzir o julgamento e preservar a indústria das armas, ele estuda a biografia dos jurados, espiona, suborna e até os ameaça de morte. Do lado "do Bem" está o advogado Wendell Rohr (Hoffman), de certo modo inocente na sua crença na Justiça.
Nicholas Easter (Cusack) surge para desequilibrar a dicotomia. Eleito à revelia para participar do caso, logo se revela um "jurado profissional". Corre de tribunal em tribunal, de júri em júri, atrás de um caso que dê bastante dinheiro. Seu plano: manipular os outros jurados e pedir US$ 10 milhões tanto para a acusação quanto para a defesa, em troca de um veredicto favorável. É curioso acompanhar esse subterrâneo dos interesses.
Mas, como ficou evidente desde o começo, são as boas intenções, apropriadamente cívicas que dão o tom. Num mundo cada vez mais cínico, finais felizes perdem força. Talvez uma conclusão bem triste, bem trágica, bem pessimista, tornaria a mensagem pacifista mais eficiente.