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Em Os vigaristas (Matchstick men, 2003), uma dupla de malandros entra em colapso quando um deles descobre que tem uma filha adolescente. Sujeito de lances discretos e pequenos, ele decide então planejar um grande golpe, para enfim largar o ofício e cuidar da menina.
Antes que você reclame - Mais um filme de bandidos bonzinhos e ações espalhafatosas?? -, atente para quatro nomes: Eric Garcia, Alison Lohman, Nicolas Cage e Ridley Scott.
O norte-americano Garcia escreveu o livro homônimo, publicado em 2002, que deu origem à película. É apenas o seu terceiro romance, mas o autor, nos seus trinta e poucos anos, manipula bem clichês dos thrillers-de-assalto, com as famigeradas reviravoltas - e os formata segundo os seus objetivos. Assim, o final-surpresa não parece descabido, mas encaixado com genialidade. E, principalmente, Garcia não legitima a ação dos ladrões. Eles não são cool. São perdedores que custam a entender que a vida não se resume ao dinheiro.
Cage assume caricaturas como ninguém, e no papel de Roy, o pai-vigarista, personifica muito bem esse perfil do loser, do perdedor. Hipocondríaco, não vive sem as suas pílulas. Quando as deixa de tomar, enche-se de tiques: gagueira e piscadelas incontroláveis. Além disso, não consegue sair de casa, passa o tempo todo polindo janelas e tirando manchas inexistentes do carpete. Essa meticulosidade produz golpes sem falhas, mas também transforma a vida de Roy num inferno com cheiro de lustra-móveis. Como o seu parceiro Frank (Sam Rockwell) é desencanado e atabalhoado, forma-se um equilíbrio perfeito.
A personagem de Alison Lohman surge para desequilibrar. Ótima atriz de 24 anos, lançada em Deixe-me viver (White oleander, de Peter Kosminsky, 2002), ela passa tranquilamente por uma rebelde de 14, graças ao seu físico frágil. Alison confere credibilidade à jovem conflituosa que foge da mãe para descobrir o pai e, por tabela, buscar o autoconhecimento. Sem essa verossimilhança, o filme não teria a mesma força. Afinal, o truque principal do roteiro é colocar as relações familiares num plano à frente da rotina dos larápios. E sem melodramas, diga-se de passagem.
Claro, cabe a Scott lapidar essas jóias. Se, no início de carreira, ele revolucionou a ficção-científica com Alien (1979) e Blade runner (1982), os anos 90 acompanharam um diretor afeito a embalagens bem definidas. Das lutas romanas ao cinema de guerra, do suspense à reconstituição de época, Scott deixou de ser sinônimo de originalidade, mas nunca de competência técnica. Esse padrão se repete em Os vigaristas: locações escolhidas com cuidado e visual apuradíssimo.
Assim, com o formato aliado ao conteúdo, a película atropela sem perdão os atuais pares do gênero, como Uma saída de mestre (The italian job, de F. Gary Gray, 2003). O que também não é muito difícil.