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Espanhóis são chegados num exagero. A sua cultura vai além do habitual calor latino e chega a uma impulsividade quase insana. Só uma cidade como Barcelona abrigaria a delirante Igreja da Sagrada Família de Gaudí. Poucos cineastas foram capazes de flertar com o Surrealismo como Buñuel. Aliás, o Surrealismo deve a sua popularização à obra de Dalí. Já a característica básica de todo Picasso é a emotividade e a radicalização. Por sua vez, a dança de Joaquín Cortez não tem as sutilezas do cinema de Pedro Almodóvar, mas ambos buscam sempre situações limítrofes. E as touradas portuguesas são brincadeira de ciranda perto do jogo de morte das arenas hispânicas.
Mas como separar a legítima experiência passional da manifestação que somente ecoa o estereótipo espanhol? A vocação metafísica e a religiosidade burlesca de Sem notícias de Deus (Sin noticias de Dios, 2001) fazem o filme se adequar bem à verve nacional, mas o que de fato o diretor Agustín Díaz Yanes tem a oferecer de novidade?
Na trama, o céu está à beira da falência: não há almas novas para sustentar a estrutura faraônica do paraíso. Já no inferno, a superlotação, as más condições de higiene e a igualdade de tratamento incomodam os megaexecutivos norte-americanos e ingleses que se imaginam superiores às centenas de africanos, asiáticos e latinos. Para mostrar serviço, o gerente do inferno (Gael García Bernal) envia à Terra a agente Carmen (Penélope Cruz) para buscar uma alma toda especial, a do boxeador decadente Manny (Demián Bichir). O céu contra-ataca: a gerente (Fanny Ardant) escolhe a angelical Lola (Victoria Abril) para encarnar na esposa de Manny e, assim, tentar trazê-lo para cima.
Já dá para visualizar: a seleção eclética de astros e estrelas surgirá em situações absurdas, personagens assumidamente caricaturais provocam desenlaces fantasiosos. Mas a história não tem nada de ingênua, como pode parecer. Pelo contrário, o diretor e roteirista Yanes não esconde a sua pretensão. Ele dá o recado sem perder tempo: o céu é uma Paris em preto-e-branco, como um musical dos anos 50 em que só se fala francês. Enquanto a Terra vive dilemas debatidos em espanhol, a língua oficial do inferno, lugar tomado por homens briguentos e mulheres vulgares, é o inglês.
Quanto maior a ambição, maior o risco do tombo. E se pensarmos naquela pergunta acima, a respeito da originalidade, o filme começa mal. A seqüência de abertura - um diálogo existencialista que precede um assalto - remete imediatamente ao início não-linear de Pulp Fiction (1994). A sombra de Tarantino persiste até o fim, mas são igualmente recorrentes as citações de filmes norte-americanos de boxe e mafiosos. A estética e a trilha sonora moderninha também seguem a linguagem hollywoodiana, como uma tentativa de impor o chamado cenário cool. E o que dizer de outra "coincidência": em Corra Lola, corra (Lola rennt, 1998), a heroína também se chama Lola, e faz de tudo para livrar a cara do seu amado metido em revenda de jóias, que também se chama Manny.
O fato do filme condenar os norte-americanos ao inferno e, ao mesmo tempo, recorrer ao imaginário daquela cultura para sustentar-se, é a menor das contradições. O grande problema de Sem notícias de Deus é não encontrar uma identidade toda sua em meio a esse acúmulo de pequenas paródias.
A participação de Penélope Cruz é a síntese desse problema. Apesar de ter uma beleza quase insultante, a atriz não tem mais personalidade do que um manequim - e acaba escalada justamente para o papel que exige mais personalidade, presença de espírito. Excessivo em todos os aspectos, falta ao filme justamente um espírito.
Ano: 2001
País: Espanha/França/Itália/México
Classificação: 14 anos
Duração: 95 min
Direção: Agustín Díaz Yanes
Roteiro: Agustín Díaz Yanes
Elenco: Victoria Abril, Penélope Cruz, Gael García Bernal, Fanny Ardant