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Com os cinemas cada vez mais abarrotados de magos, demônios, superseres e outros caprichos dos efeitos especiais é de se esperar que o público já esteja amortecido com formas maniqueístas de se ver o mundo. Há o time do "bem" e o pessoal "do mal" em constante conflito. Cabe ao público torcer pelos seus heróis. Entretanto, em Sobre meninos e lobos (Mystic river), adaptação de Clint Eastwood do romance homônimo, não há nenhuma linha divisória, nem espectros diferentes da mesma moeda. Seu mundo é duro, seco e repleto de sentimentos.
Desconfiança, impotência, egoísmo, dor, ódio e, principalmente amor, são os catalisadores da vida dos personagens que somos levados a conhecer.
Quando crianças Jimmy Markum (Sean Penn), Dave Boyle (Tim Robbins) e Sean Devine (Kevin Bacon) eram garotos normais aprontando na vizinhança. Um dia, flagrados por um policial, Dave foi forçado a entrar num carro, num acontecimento que mudaria sua vida e, indiretamente, a de seus amigos.
Mas isso é passado. Hoje adultos, os três seguem suas vidas de formas distintas até que um novo evento trágico faz com que seus caminhos se cruzem de maneira inesperada, demonstrando o quanto assuntos mal resolvidos podem reverberar, não importando o tempo.
Mas a película de Eastwood não é veículo para lições de moral simplistas. Quanto mais conhecemos sobre os personagens, mais nuances descobrimos sobre eles, menos claros e unidimensionais eles se tornam. Cada camada revelada leva o espectador a novas possibilidades, identificações ou mesmo repulsa com relação ao trio. Tudo muito verdadeiro, cru e forte. Em especial a presença da morte e suas conseqüência diante daqueles que amam alguém que se foi recentemente. Inclusive a fé, em um plano mais sutil, porém onipresente em atitudes, cenários e até mesmo no corpo de um dos personagens, permeia de significado as atitudes de todos.
Atitudes que demonstram o quão apavorante pode ser, não a vida real, mas nós mesmos. Que por trás de camadas e camadas de regras e aparências sociais, escondemos nossos demônios. Saem-se melhor aqueles que sabem lidar com isso, perdem aqueles que preservam sua inocência.
Claro, nem tudo é perfeito na condução do filme. Há momentos nos quais tudo parece tender a degringolar pelo óbvio. Sim, não é impossível desvendar o desfecho da trama. Mas nem isso anula (embora abale um pouco) o impacto do que fora construído na primeira metade do filme. Se há previsibilidade em certos desenrolares, ela acaba servindo para, de certa maneira, reforçar a impotência diante da inevitabilidade.
Se você quer diversão descererebrada, passe longe. Mas se quiser sair incomodado, descubra o que há Sobre meninos e lobos. Afinal, cinema não é meramente entretenimento.