Há um prazer particular em assistir a mulheres sendo escandalosamente honestas. Seja exaltando seus desejos mais íntimos, seja fazendo piadas ácidas que beiram o inadequado, o atrevimento de quebrar o estereótipo da boa moça, contida e educada, ainda carrega um frescor em pleno 2023. É catártico na medida que, quando não dá vazão a sensações e vontades reprimidas pelo convívio social, simplesmente representa em tela a segurança que apenas um grupo de melhores amigas pode proporcionar: poder ser quem é, sem pedir permissão ou desculpas, espírito este que Loucas em Apuros capta muito bem. Acompanhando o que começa como uma viagem de negócios à China, mas rapidamente se torna uma sucessão de confusões regadas a álcool e drogas, a comédia faz do exagero e do escracho sua melhor arma para chegar ao coração das suas heroínas e retratar seus dilemas particulares de não-pertencimento.
Audrey (Ashley Park) é quem dá o pontapé nessa história. Prestes a se tornar sócia na firma onde trabalha há anos, a sempre dedicada e ambiciosa advogada tem apenas um obstáculo até sua promoção: fechar negócio com uma empresa chinesa. Tratando-se de uma jovem sino-americana — e a única funcionária não-branca do escritório —, ela é a escolha lógica do seu chefe “desconstruído” (Timothy Simons). No entanto, Audrey não sabe muito sobre a cultura do seu cliente, nem mesmo seu idioma, já que foi adotada por um casal branco e foi para os Estados Unidos ainda bebê. Na realidade, ela cresceu acostumada a não se sentir parte propriamente de nenhum grupo, encontrando acolhimento de fato na melhor amiga Lolo (Sherry Cola) que, como filha de imigrantes, também entende o que é estar entre dois mundos.
Por isso, a protagonista confia na amiga a missão de traduzir as reuniões com o cliente — e, no papel, o plano tinha tudo para dar certo. Mas quando Lolo chama sua prima peculiar Olho de Peixe Morto (Sabrina Wu) e Audrey aproveita a excursão para encontrar com a colega de faculdade e estrelinha Kat (Stephanie Hsu), fica evidente que o grupo que formaram não só é disfuncional, como não fechar o acordo pode ser a menor das dores de cabeça de Audrey.
Qualquer semelhança com os ótimos Missão Madrinha de Casamento e Viagem das Garotas não é mera coincidência. Loucas em Apuros de fato se coloca como uma sucessora espiritual das duas comédias e se apropria de alguns dos elementos que tornaram ambas as produções tão bem-sucedidas. Então, sim, isso significa que você pode esperar por uma ótima cena com um toque de escatologia no meio do filme, assim como rixas que vão além da rivalidade anunciada. Aliás, é seguro dizer que você sequer vai se surpreender com o desfecho, porque, apesar das desavenças, você sabe: a amizade delas é também mais forte do que qualquer discussão.
Diante dessa dinâmica, é curioso — e, honestamente, até louvável — notar como Loucas em Apuros não soa derivativa. Na verdade, a diretora estreante Adele Lim e sua equipe sabem muito bem onde está a originalidade da sua história e não hesitam em explorá-la, deixando uma distância confortável das antecessoras para mostrar reverência, mas não dependência. O exemplo mais óbvio e esperado disso é a forma como a experiência asiático-americana molda a trama e o texto. Na mesma medida que o espectador acompanha em tela comentários sarcásticos e afiados sobre os estereótipos raciais, ora rindo do absurdo deles, ora admitindo que existem também entre chineses e coreanos, também se vê uma experiência genuína e compartilhada sobre identidade. Da mesma forma, o longa brinca com diferentes estéticas ao longo da viagem das meninas, indo da dramaticidade acentuada dos cinema chinês ao colorido dos clipes de k-pop, como mais uma ferramenta no seu arsenal cômico.
Infelizmente, aqui, drama e comédia não são uma combinação orgânica. Na verdade, assim que a busca pela mãe biológica de Audrey se torna mais proeminente, o longa intercala os dois gêneros de uma forma quase blocada, subtraindo o impacto de momentos que tinham tudo para ser divertidos e emocionantes, mas que acabam soando fora do lugar — o mais sintomático deles talvez seja a tentativa de serem estrelas do pop por um dia, mas não é a único. A previsível reconciliação tem seu peso diminuído por essa falta de equilíbrio, mais bem resolvida no primeiro ato do filme. E, conforme a diretora tenta compensar o desbalanço, a história se desdobra um pouco além do que o necessário, mesmo para 1h30 de duração, e nada disfarça o incômodo.
Embora a experiência não seja plena, é inegável que Loucas em Apuros representa um respiro, e a representatividade é apenas uma faceta disso — não necessariamente pelo lado, digamos, politicamente correto da coisa, mas por trazer uma material novo e original para o público mainstream. No fundo, é revigorante ver uma comédia como essa, que tão claramente tem como objetivo primordial fazer rir, ocupando as telonas. E é fato: seu humor, gráfico, debochado e desbocado, é mesmo seu grande trunfo. Não à toa, é perceptível como o elenco se diverte com o ridículo, e essa dinâmica impulsiona, sobretudo, a performance de Hsu, que tem em mãos as situações mais absurdas. Mas há de se reconhecer que Park também faz bom proveito do posto de protagonista, e não seria nada estranho vê-la daqui em diante com mais destaque na indústria.
Mas, mesmo na inconstância dos bons momentos e dos medianos, é reconfortante saber que filmes como Loucas em Apuros existem e são abraçados pelo público. Sem pedir licença ou por favor, quatro mulheres expressam sua sexualidade, seus êxitos e fracassos da maneira mais caótica possível, e ainda assim comunicam com fidelidade a experiência feminina — em especial, as alegrias e bobeiras que só se vive ao lado das melhores amigas. É engraçado, libertador e surpreendentemente real.
Ano: 2023
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 95 min
Direção: Adele Lim
Roteiro: Teresa Hsiao, Adele Lim, Cherry Chevapravatdumrong
Elenco: Sabrina Wu, Sherry Cola, Ashley Park, Daniel Dae Kim, Stephanie Hsu