Cena de Love Lies Bleeding - O Amor Sangra (Reprodução)

Créditos da imagem: Cena de Love Lies Bleeding - O Amor Sangra (Reprodução)

Filmes

Crítica

Love Lies Bleeding destrói o gótico americano, mas se diverte pouco nas ruínas

Falta ao filme abraçar a energia maníaca que sua estrela, Katy O’Brian, encarna tão bem

Omelete
4 min de leitura
19.07.2024, às 13H12.

Há algo de elétrico na performance de Katy O’Brian em Love Lies Bleeding - O Amor Sangra. É como se a atriz, já conhecida dos fãs de The Mandalorian, mas alçada ao status de grande promessa de Hollywood com o novo filme da A24, tivesse enfiado o dedo na tomada de onde sai a energia subversiva do longa e não conseguisse mais tirar. Como Jackie, a fisiculturista que se torna amante e parceira de crime de Lou (Kristen Stewart) em uma cidadezinha em Nevada, ela encarna em cada segundo do filme o impulso maníaco por sucesso que define o sonho americano.

Love Lies Bleeding, em seu coração, desvela esse sonho como uma paródia grotesca de si mesmo, que inevitavelmente leva à violência. O’Brian é o rosto e o corpo da tragédia ofegante dessa desconstrução, a personificação do que a diretora e roteirista Rose Glass faz com o gótico americano - e não, não estou falando do Evanescence. Embora hoje seja mais identificado com o subgênero de rock que o adotou, o termo gótico vem da literatura (que, por sua vez, o emprestou da arquitetura) para identificar narrativas que se apoiam em uma atmosfera de perversão da normalidade, na revelação do grotesco por trás da organização frágil do cotidiano. Frankenstein é frequentemente citada como a obra fundacional do estilo.

Mas o que Frankenstein tem a ver com Love Lies Bleeding? Bom, no fluxo histórico da arte, o romance gótico chegou aos EUA na virada do século XIX para o século XX e se misturou ao ressentimento socioeconômico dos estados sulistas após a derrota na Guerra Civil para criar um tipo de narrativa que fazia de mansões decadentes - e dos segredos mórbidos escondidos em suas paredes - o cenário de histórias de terror nas quais os monstros eram muito humanos. O sub-sub-gênero que nasceu dessa colisão, batizado de Southern gothic (literalmente, “gótico sulista”), ainda assombra o cinema e a TV contemporâneas na forma de sagas criminais que brincam com um formato quase folhetinesco, vide Segredos de um Escândalo, Objetos Cortantes, Animais Noturnos e Ozark.

É este o gótico no qual Rose Glass está interessada. Britânica, a diretora lança um olhar entre divertido e enojado sobre as caracterizações exageradas do subgênero, transformando seus personagens em manifestações dos crimes que carregam. Daí os apliques de Ed Harris, e a forma como o diretor de fotografia Ben Fordesman (parceiro de Glass também em Saint Maud, sua obra anterior) escolhe filmar flashbacks e delírios em um negativo vermelho que realça as crateras vazias das bochechas magras do ator. Daí os close-ups em veias e músculos inflados, o efeito sonoro incômodo que acompanha as sessões de treinamento de Jackie - há sim algo de Frankenstein aqui, no fim das contas.

Na verdade, a condescendência absoluta com a qual Love Lies Bleeding trata seus personagens é sua melhor virtude. É exatamente ao transformá-los em caricaturas, em ideias deformadas das realidades que representam, que Glass e sua corroteirista Weronika Tofilska (Bebê Rena) abrem espaço para a sátira do filme respirar. Você não precisa se sentir mal pelas coisas horríveis que eles fazem um com os outros - embora, idealmente, você acabe sentindo algo de qualquer forma -, porque Love Lies Bleeding os retrata como prisioneiros voluntários de um ideal que foi desenhado de forma que só possa ser alcançado com violência. A potência do filme, seu apelo visceral e intelectual, está em reconhecer e levar essa premissa às últimas consequências.

É inevitável (e frustrante) que Love Lies Bleeding patine, portanto, nos momentos em que tenta segurar esse seu impulso de kamikaze zombeteiro. A estrela Kristen Stewart é quem se prejudica mais nesse sentido, porque sua Lou é concebida como a consciência do filme, a “mulher comum” envolvida nos ciclos viciosos de violência, sujeira e descaso que definem os seus arredores. Não é à toa que, na primeira vez que a vemos, Lou está limpando uma privada entupida com as próprias mãos: incrustada como está no esgoto da sua cidade e da sua família, ela precisa aprender que não tem escolha a não ser se sujar também.

Stewart sempre foi boa em expressar angústia e desejo interiorizados, é claro, mas - mesmo com todo o prestígio que tem acumulado com o passar dos anos - ainda falta alguém dar à atriz a chance de explodir toda essa interiorização em catarse. Nas circunstâncias certas, o resultado provavelmente seria espetacular. Love Lies Bleeding não ser o veículo para esta catarse diz muito sobre o filme como um todo, o seu apego teimoso a uma refinação humanística que não combina com as pinceladas vulgares com qual Glass claramente anseia pintar o seu retrato sulista, o sarcasmo cruel com o qual ela trata o americanismo em sua forma mais pura, mais ressentida e mais feia.

O erro de Love Lies Bleeding, em suma, é não se satisfazer com a própria maldade.

Nota do Crítico
Bom
Love Lies Bleeding - O Amor Sangra
Love Lies Bleeding
Love Lies Bleeding - O Amor Sangra
Love Lies Bleeding

Ano: 2024

País: Reino Unido/EUA

Duração: 104 min

Direção: Rose Glass

Roteiro: Weronika Tofilska, Rose Glass

Elenco: Kristen Stewart, Katy O'Brian, Jena Malone, Ed Harris, Dave Franco

Onde assistir:
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