Existe uma empolgação visível no elenco de Mamonas Assassinas - O Filme. A felicidade e dedicação de Ruy Brissac (intérprete do vocalista Dinho), Alberto Hinoto (o guitarrista Bento Hinoto), Adriano Tunes (o baixista Samuel Reoli), Robson Lima (o tecladista Júlio Rasec) e Rener Freitas (o baterista Sérgio Reoli) são dignas de uma cinebiografia de uma das bandas mais importantes do rock brasileiro, e transmitem toda a leveza e irreverência do grupo de garotos de Guarulhos. A semelhança física assombrosa obviamente facilita, e o elenco de Mamonas Assassinas tenta carregar o filme também com seu carisma. Infelizmente boa vontade e determinação não são suficientes - na melhor das hipóteses, são um necessário ponto de partida - e as escolhas ruins do filme acabam por deixar na mão o seu maior e principal recurso.
Era possível imaginar uma cinebiografia super bem feita do Mamonas que não conseguisse encontrar os intérpretes perfeitos para dar vida à banda - esta, teoricamente, é a parte mais delicada de um projeto como este e o alvo mais fácil de críticas. Mas o que acontece aqui é o contrário. Mamonas Assassinas - O Filme tem a banda como apoio para um roteiro, direção e edição que se sustentam na evidência do casting certeiro e nada mais. Existe aqui um palco para uma banda cover brilhar (o que inclusive os intérpretes já faziam no teatro dentre aqueles que já viveram os Mamonas nos palcos), mas o filme que sai disso é tão desencontrado que nem toda a boa vontade da nostalgia salva o gosto amargo que fica no fim.
O problema principal é a falta de foco. Muito da história da banda está lá: a formação da banda Utopia, a entrada de Dinho, os bicos que os integrantes faziam, a busca por reconhecimento, a produção de Rick Bonadio, a explosão de sucesso e o fim trágico. Mas não há um senso de crescimento narrativo ou construção de arco para nenhum personagem - há apenas uma coleção de cenas. Não é exagero: figuras surgem e somem sem grandes explicações e cenas procuram uma sensação de peso sem desenvolver nenhuma relação prévia. A dinâmica de Dinho com seus pais é um dos maiores exemplos disso: somos introduzidos aos dois quando eles testemunham o filho fazendo striptease na televisão, indignados com a performance. Mas sem conhecer os personagens que assistem ao programa, o sentimento fica lá, pairando sobre a narrativa sem se justificar ou se sedimentar.
Esse é apenas um dos exemplos da falta de construção de personagens que amaldiçoa o filme dos Mamonas Assassinas, uma cinebiografia que parece dispensar um esforço maior de dramaturgia porque, bem, talvez não julgasse preciso elaborar maiores apresentações para além de recontar o que todos conhecem. Por mais que o grande escopo da história esteja em tela, da formação do grupo ao fim abrupto, é difícil imaginar que uma pessoa que não esteja familiarizada com a banda saia com o conhecimento do que foi o grupo de Guarulhos. Por isso, quando Dinho faz o seu famoso discurso de que o impossível não existe, no show em sua cidade natal, não há uma sensação de força, de superação de desafios. E não é que o longa não tenha filmado tudo isso e colocado em tela: é que ele não sabe formular uma narrativa a partir deles, um desenvolvimento da história e mesmo um fechamento de jornada.
Para contribuir à frustração, Mamonas Assassinas - O Filme faz o desfavor de tratar todas as mulheres que passaram pela vida dos integrantes como figuras vilanescas. Não me entenda mal: não duvido que o Mamonas tenha sido rodeado de mulheres que tenham causado atritos diversos entre os membros. Mas há aqui uma escolha clara de ênfase que coloca todas como traiçoeiras, e uma que está tão descolada do discurso atual que faz do filme imediatamente ultrapassado.
Nisso tudo, as performances musicais - que aparecem entre diversas cenas e nunca deixam de ganhar destaque - são um fator de redenção, muito porque, ao menosprezar o contar de uma história, Mamonas Assassinas - O Filme aposta muito na nostalgia que existe em torno de seu objeto central, e satisfaz o sentimento de saudade com uma boa banda e suas boas interpretações. Na realidade, até parece que a ideia aqui era essa mesma: envelopar performances de uma banda cover com um fiapo de narrativa.
Uma biografia musical, mesmo quando decepciona, geralmente deixa algum resultado palpável, seja pelo valor de playback da música, o resgate de um legado, a mera lembrança de uma trajetória profissional. O filme dos Mamonas fica aquém de tudo isso. A carreira meteórica e o trágico fim dos meninos de Guarulhos mereciam mais, e sua trajetória não precisaria de muito além de uma cinebiografia bem regradinha. Infelizmente, O Filme não fez nada senão desperdiçar uma primeira chance de levar, com carinho e carisma, a história de Dinho e sua trupe às telas.
Direção: Edson Spinello
Roteiro: Carlos Lombardi
Elenco: Beto Hinoto, Robson Lima, Adriano Tunes, Rhener Freitas, Ruy Brissac