Se há um gênero que constantemente prova que tamanho (de orçamento) não é documento, é a ficção científica. Não deixa de ser curioso, uma vez que o rótulo sci-fi é muitas vezes associado a efeitos especiais espetaculares e à construção de mundos alienígenas épicos… mas não faltam exemplos de produções independentes que, com dinheiro para uma câmera e um sonho, fazem ficção especulativa brilhante: Coerência, Resolution, Primer e A Ordem do Tempo vem à mente, pensando só nos últimos dez anos de cinema. A verdade é que, se você tem ideias o bastante na cabeça, o sci-fi tem uma capacidade inigualável de atiçar o público, e aí você não precisa mostrar demais - é quase como se a imaginação da plateia fizesse metade do trabalho por você.
O mais interessante sobre Máquina do Tempo, filme independente do diretor Andrew Legge que aborda a história de duas irmãs britânicas que inventam a engenhoca do título durante o auge da Segunda Guerra Mundial, é que ele não quer contar muito com isso. E ainda é apesar de uma estrutura, um truque estético-narrativo que tem sido usado para vendê-lo nos cinemas comerciais, que parece desenhado para nos mostrar o menos possível: Máquina do Tempo, para quem não sabe, é baseado no modelo found footage, como se alguém tivesse encontrado uma filmagem caseira e colocado na tela de cinema - no caso, os registros de Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton) em uma câmera rudimentar dos anos 1930, documentando a invenção da máquina e as consequências dela.
Gravado com equipamentos autênticos à época retratada, o filme de Legge já ganha pontos como uma mistura curiosa entre um formato muito contemporâneo (o found footage surgiu como técnica cinematográfica nos anos 1980, com Holocausto Canibal) e uma estética inteiramente analógica. A fotografia, assinada por Oona Menges (A Hospedeira), não se esforça para esconder os defeitos e granulações da película antiga - ela sabe que tudo isso é parte do charme e da ilusão de autenticidade, por mais frágil que ela seja, buscada pelo filme; e a edição, de Colin Campbell (The Hole in the Ground), voa na mistura de formatos e na agilidade de um filme de 1h19 que tem pouquíssima gordura para queimar.
Toda essa esperteza técnica, no entanto, e só pretexto - como sempre deveria ser, aliás. Diante do desafio que colocaram para si mesmos, o cineasta Legge e sua corroteirista, Angeli Macfarlane (A Morte de George W. Bush), ousam mesmo é ao explorar uma história que não esconde suas ambições. Embora se venda como um sci-fi de viagem no tempo, afinal, o longa urdido pelos dois trafega muito mais pela trilha da história alternativa, sempre um terreno fértil quando se trata de Segunda Guerra Mundial. E é inegável que, especialmente levando em conta os recursos que tinham em mãos, as mentes criativas por trás de Máquina do Tempo não ficaram devendo nada para os Tarantinos e MCUs que já trilharam esses caminhos.
Conforme a realidade que conhecemos vai se distorcendo diante dos nossos olhos (e dos olhos dos personagens), o filme vai mostrando repetidamente que não tem medo de dar o passo seguinte, e que não quer recorrer a truques para chegar lá. Máquina do Tempo persegue suas ideias até as últimas consequências, e encontra sempre modos inventivos de fazer a sua proposta estética acompanhar esse caminho. O resultado é um filme eficiente não só em atiçar as nossas percepções com uma história de “e se?”, como cuidadosamente considerado em seus pesos temáticos: às vezes, essa é uma fábula sobre o quanto a cultura afeta a guerra e a política, e às vezes uma condenação potente da alienação que se desenha, sempre, entre os detentores de poder e as vidas que eles balançam nas mãos.
O que ele sempre é, no entanto, é um exemplo íntegro de cinema. Cinema realizado com impulso criativo imparável, consciência aguda dos formatos em que transita, e indisposição para enganar ou quebrar a cumplicidade que estabelece com o público que se aproxima dele com a boa vontade de ser carregado para o seu mundo. Ou, em outras palavras: ficção científica de primeira.
Máquina do Tempo
Lola
Ano: 2022
País: Irlanda, Reino Unido
Duração: 79 min
Direção: Andrew Legge, Andre Legge
Roteiro: Angeli Macfarlane, Andrew Legge
Elenco: Stefanie Martini , Emma Appleton , Rory Fleck Byrne