Marco Pigossi em Maré Alta (Reprodução)

Créditos da imagem: Marco Pigossi em Maré Alta (Reprodução)

Filmes

Crítica

Mesmo quando o drama não dá pé, Maré Alta acha em Pigossi a âncora perfeita

Filme perde a mão no terceiro ato, mas astro brasileiro nos mantém engajados até o fim

Omelete
4 min de leitura
18.03.2025, às 08H13.

Como o seu próprio título indica, Maré Alta cultiva uma relação íntima com o oceano. Ele é a primeira coisa que vemos no filme de Marco Calvani, e se mostra uma presença constante nas pouco mais de 1h40 que seguem essa tomada inicial. O imigrante brasileiro Lourenço (Marco Pigossi) passa boa parte de suas tardes nas praias de Provincetown, vila no Massachussetts (EUA) que se tornou refúgio gay ainda durante o pico da crise do HIV, nos anos 1980. É por lá que ele conhece Maurice (James Bland), engatando um romance que vai movê-lo a questionar sua rotina, e é lá que ele vai parar nos momentos mais dramáticos do filme, buscando a água salgada como elemento estabilizador ou forma de entender que o mundo é maior do que os pormenores de sua vidinha frugal. 

O roteiro de Maré Alta, enfim, usa o mar para dar gosto e textura à narrativa. E, exatamente como as ondas gentis que se arrastam pela areia de Provincetown, o texto assinado por Calvani estabelece para si um ritmo oscilante que parece muito natural - assim como Lourenço se afasta e retorna para a praia todos os dias, os personagens que o cercam aparecem e desaparecem com uma frequência quase metronômica. Ondas que vão e voltam. Flutuando entre as vidas de cada um deles, a partir das amizades e trocas que eles podem lhes oferecer, o protagonista vai tentando entender onde está o seu próprio lugar, a sua própria história, e quando ele vai poder contá-la sem se apoiar na dos outros. “É como se a minha vida estivesse acontecendo em algum lugar por aí, sem mim”, diz ele algumas vezes.

Maré Alta conta essa procura de Lourenço com sensibilidade louvável. Calvani é obstinadamente maduro em sua construção de mundo, generoso com seus personagens, e dedicado à observação - este é um filme em que sempre há tempo para o silêncio, para o respiro, em que os traumas são processados na solidão e na cura da próxima relação. A fotografia de Oscar Ignacio Jiménez (A Morte de Dois Amantes) complementa bem esse trabalho, buscando vislumbres significativos de corpos, rostos e olhos tanto na penumbra de um quartinho abafado quanto na luz difusa de uma tarde de verão. É uma proposta de realismo que foge do enfadonho justamente por nos envolver no ritmo hipnotizante dessa vida levada pelo vai-e-vem do oceano, em busca de um porto para atracar.

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E esse feitiço curioso que o filme joga sobre o espectador só vai se quebrar, mesmo, lá pelo terceiro ato. Talvez inseguro da eficácia desse cinema mais sentido do que contado - ele é, no fim das contas, um estreante em longas-metragens -, Calvani conduz o seu Lourenço na direção de conflitos mais obviamente fabricados, inevitavelmente divorciados do restante do filme em termos de tom e encenação. Maré Alta não chega a tropeçar na direção do melodrama, mas se posiciona para fazer observações sociais muito convenientes, e manipula desencontros emocionais que não rimam com o temperamento dos personagens anteriormente apresentados. Nesse caminho, o filme até deixa entrever um certo maniqueísmo que é sua face mais desagradável.

Por sorte, nem mesmo nesses deslizes o protagonista Marco Pigossi nos perde de vista. Quando Maré Alta estreou na gringa, a performance do ator brasileiro foi elogiada como “vívida” e “assombrosa” - dois adjetivos apropriados, sem dúvida, mas que são só indicadores de algo a mais que ele entrega aqui. Pigossi encarna Lourenço com uma naturalidade eminente, se aproveitando daquele espaço de respiro que o roteiro lhe dá, e do olhar apaixonado da câmera (o astro e o diretor, afinal, são casados), para construir um personagem que vacila o tempo todo entre a tensão e a espontaneidade, cuja presença compacta e vacilante por vezes trai o status de outsider naquele ambiente… mas que também cultiva uma abertura ao diálogo e à conexão que desarma todos ao seu redor.

Com um sorriso fácil, mas uma perturbação inescapável por trás dos olhos, ele navega com destreza todos os ritmos que o filme toma para si. Em essência, o que Pigossi faz por Maré Alta é carregar um dinamismo sem o qual a mudança de marcha do longa seria infinitamente mais incômoda. Com ele, essa é só mais uma onda que quebra na praia, sob os olhos atentos de um protagonista que tem a nossa aliança do primeiro ao último minuto.

*Maré Alta chega aos cinemas brasileiros em 20 de março.

Nota do Crítico
Ótimo
Maré Alta
High Tide
Maré Alta
High Tide

Ano: 2024

País: EUA

Duração: 101 min

Direção: Marco Calvani

Roteiro: Marco Calvani

Elenco: Marco Pigossi, Marisa Tomei, Mya Taylor, James Bland, Bill Irwin

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