Maria Bethânia - Música é Perfume | Crítica
Maria Bethânia - Música é Perfume
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Há quarenta anos, Maria Bethânia impressionava o público com a voracidade da sua interpretação de "Carcará", ao estrear na peça Opinião, ocupando o vácuo da pequena Nara Leão. Não era seu debute oficial nos palcos, mas foi daí que a baiana começou a despontar rapidamente para o panteão das melhores intérpretes da MPB, onde se mantém firme até hoje.
Ângulo fundamental do quadrilátero baiano que invadiu a música na mesma época - ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa -, Bethânia é a que mais se manteve sob rédeas saudáveis. Com a garganta voltada aos grandes dramas pré-bossa nova e do morro, nunca se interessou muito pelo fuzuê tropicalista de seus aliados. Talvez por isso tenha construído a carreira mais regular entre os quatro, sem grandes baixas entre seus discos e chegando ao novo século em uma de suas melhores fases.
É essa faceta, da cantora madura e calejada, que chega aos cinemas agora, em Maria Bethânia: música é perfume. O documentário é dirigido pelo francês Georges Gachot, afamado por produzir bons filmes que giram em torno do universo musical - com personagens como o compositor clássico Claude Debussy e, mais recentemente, a pianista argentina Martha Argerich.
É um encontro inusitado este, entre o diretor e a artista. Ele construiu sua carreira se especializando no mundo erudito, enquanto ela é imersa desde sempre na cultura popular do Brasil. Apesar disso os dois têm um ponto em comum: gostam de jogar baixo e atacar o emocional do público diretamente.
O documentário produzido por Gachot não se atém aos fatos. O espectador sai da sala sem conhecer muito mais sobre a carreira de Bethânia do que já sabia antes de assistir ao filme. Não há uma retrospectiva histórica aqui, nem grandes análises sobre a carreira da cantora. Gachot prefere se manter como testemunha imparcial da sua produção atual.
O francês veio atrás de Bethânia, pela primeira vez, para registrar a turnê de Brasileirinho, álbum lançado em 2003. Daí partiu para os ensaios em estúdio, mostrando a relação dela com os músicos e Jaime Alem, seu diretor musical de longa data, e para os palcos, retratando o fantástico transe que toma conta da baiana durante seus shows. A documentação continuou até este ano, com os shows do disco Que falta você me faz, em homenagem a Vinícius de Moraes.
Um bate-papo com Bethânia contrapõe a artista à mulher comum longe dos microfones, com sua rotina ordinária e reflexões bem-humoradas sobre particularidades da música brasileira. O diretor, poeta ele mesmo, se esforça em integrar a intérprete ao povo comum, fazendo ao fundo um retrato da relação dos brasileiros com a música no cotidiano - da dona de casa cantarolando no ônibus do subúrbio ao mendigo que batuca no chão da sarjeta.
O folclore vem à tona na visita da câmera às festas de Santo Amaro da Purificação, cidade natal da família Veloso. É lá que o diretor dá voz a Dona Canô, ilustre mãe de Bethânia, no depoimento mais singelo e emocionante do filme, mostrando que a sensibilidade da matriarca fez bem à sua filha preferida. Sua mansidão obscurece os momentos do filho Caetano e de Gil, Miúcha e Nana Caymmi.
Mas o perfume maior entre os depoimentos vem mesmo com a rápida passagem de Chico Buarque pela tela. O assunto é a canção "Olhos nos olhos", produzida especialmente para a amiga, que fez sucesso estrondoso no país e até nos ouvidos de Mãe Menininha.
É aí que, ao pensar no cantor, Bethânia desfalece por alguns segundos e suspira. É o desmonte oficial do monstro sagrado que só faz desmontar os fãs. Algo que, perto dela, só Chico mesmo. Uma vingança legítima.
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