Angelina Jolie em Maria Callas (Reprodução)

Créditos da imagem: Angelina Jolie em Maria Callas (Reprodução)

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Crítica

Maria Callas brinca com metalinguagem para criar filme digno da diva da ópera

Diretor Pablo Larraín surge mais experimental, e mais retrospectivo, neste novo filme

Omelete
4 min de leitura
10.01.2025, às 16H59.

O diretor de fotografia Ed Lachman, colaborador de longa data de Todd Haynes (Carol, Não Estou Lá), começou a trabalhar com Pablo Larraín em O Conde, sátira fantasiosa que imagina o ex-ditador Augusto Pinochet como um vampiro bicentenário, produzida pelo cineasta chileno para a Netflix no ano passado. Lachman levou a terceira indicação ao Oscar da carreira pela bela fotografia em preto e branco do filme, e ganhou a admiração do diretor, que filmou com ele também o seu longa seguinte… justamente este Maria Callas. Pode parecer um detalhe, mas assistir à cinebiografia da diva da ópera, estrelada por Angelina Jolie, é entender o quanto a colaboração com Lachman encapsula o amadurecimento e a transformação do trabalho do próprio Larraín.

A presença do P&B em cenas seletas de Maria Callas, nesse caso, é só a ponta do iceberg. Diante de um roteiro que se preocupa bastante em fazer retrospectiva dos eventos formativos na vida da biografada, o diretor lança mão do preto e branco não só como marcador de tempo, mas também com introdução a um filme que se prova muito mais fragmentado em seus recursos estéticos do que seus antecessores. Vale lembrar, afinal, que Jackie (2016) e Spencer (2021) formam junto a este filme uma trilogia informal de biopics femininas assinadas por Larraín - mas são, ambos, filmes muito mais singularmente focados em um recorte específico da trajetória de suas protagonistas, histórias de mulheres em fluxo, do que Maria Callas se mostra ser. Aqui, ao invés de extrapolar uma semana ou um mês da vida de uma mulher famosa, encontramos Callas perto da morte, rodeada por fantasmas, e singularmente disposta a olhar para trás.

Por vezes, esse foco mais difuso se prova um obstáculo. Steven Knight, que também escreveu Spencer, aparece aqui menos econômico nos diálogos expositivos, mais faminto para tocar em todos os pontos importantes da vida de Callas, mesmo que isso signifique uma menção pouco natural à estreia da diva nos palcos europeus, ou uma cena tensa, mas meio deslocada, entre ela e John F. Kennedy (Caspar Phillipson, mesmo ator que interpretou o personagem em Jackie) num restaurante. O que Larraín faz para aliviar essa tensão narrativa é construir ao redor de sua Callas um filme que permite divagações, que faz malabarismo com realidade e fantasia, até por refletir um estado de consciência fraturado - por mais trágicas que fossem, Jackie Kennedy e Princesa Diana não estavam enlouquecendo, ou viciadas em remédios hipnóticos, nos seus capítulos dessa trilogia.

Daí a aproximação do filme com a linguagem do musical, por exemplo, que rende algumas das imagens mais dramaticamente incandescentes capturadas pela câmera de Lachman. Não só a vida de Callas exigia essa aproximação, como ela permite que o filme trafegue muito mais no melodrama, se tornando um conto de aspirações celestiais construído em cima de emoções muito terrenas - uma ópera, enfim, de sangue quente mas cabeça nas nuvens. Enfiada bem no centro dessa contradição, curiosamente, Angelina Jolie encontra espaço para uma performance nada histriônica, construída em emoções muito facilmente identificáveis, expressadas com a segurança de quem as conhece como a palma da mão. É uma atuação que recusa o sublime para se fincar com dignidade do humano, e que por consequência ancora o filme em meio aos seus voos estilísticos mais ousados.

Até porque Maria Callas envereda também pelo caminho da metalinguagem: o personagem de Kodi Smit-McPhee, por exemplo, nos é apresentado como um jovem cineasta que está fazendo um filme sobre “os últimos dias de Callas” (mas é também um produto da imaginação da diva, é claro), abrindo espaço para múltiplas referências ao status de Maria Callas como reencenação, reprodução, teatro de uma vida. Não à toa, ao invés de um letreiro mais convencional no início do filme, Larraín prefere mostrar uma claquete rabiscada com o título - recurso que ele repete para explicitar a divisão em três capítulos de sua trama. Assim escancarado como performance, Maria Callas ganha um pouco mais de permissão para ser indulgente - como cinebiografia, como fechamento de trilogia, e como exploração de linhas culturais que se cruzam no decorrer da história.

Minha vida é ópera, e não há razão na ópera”, declara Callas em certo momento do filme. Fazer do filme dela um espetáculo tão dramático, tão grandiloquente e tão envolvente quanto aqueles que ela apresentava no palco é uma decisão criativa inspirada.

Nota do Crítico
Ótimo
Maria Callas
Maria
Maria Callas
Maria

Ano: 2024

País: Itália/ Alemanha/ Chile/ EUA

Duração: 124 min

Direção: Pablo Larraín

Roteiro: Steven Knight

Elenco: Pierfrancesco Favino, Haluk Bilginer, Angelina Jolie, Valeria Golino, Kodi Smit-McPhee, Alba Rohrwacher

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