Paul W.S. Anderson nunca quis ser um bastião do filme de gênero tradicional, ou pelo menos seus filmes descomplicados nunca indicaram essa ambição, mas dado o estado do cinema popular americano fica difícil não interpretar Nas Terras Perdidas como uma defesa apaixonada da artesania do filme B. Temos aqui um cineasta que mais uma vez consegue que a produtora alemã Constantin Film banque seu projeto estético expressionista (cuja fonte não por acaso vem dos filmes de horror alemães, como já notaram os que comparam Anderson a Fritz Lang) e com isso Nas Terras Perdidas faz o melhor exercício cinefílico de gênero que consegue e que lhe baste.
Que não escape a ironia de Nas Terras Perdidas estrear no Brasil no mesmo fim de semana de Pecadores, um filme B de vampiros de US$ 30 milhões que, dentro do projeto hollywoodiano de transformar o cinema de horror no novo blockbuster, a Warner decidiu fazer por US$ 100 milhões. Pecadores apresenta todos os sintomas do inchaço temático-literal e da crise estética que assolam a indústria, enquanto Nas Terras Perdidas, na modéstia do seu pastiche, não planeja ir muito além da natureza moral da sua premissa para demarcar o que quer que seja do ponto de vista discursivo.
Essa natureza moral é um traço conhecido da obra de George R.R. Martin e está bem condensada na reviravolta do filme, que adapta o conto homônimo e junta elementos de outros dois contos de Martin, todos inclusos na coletânea Amazons II, de 1982. Se Anderson já havia esboçado em Monster Hunter (2020), seu longa anterior, fazer um faroeste de odd couple, isso é consumado em Nas Terras Perdidas, um faroeste de fato, que coloca Milla Jovovich e Dave Bautista para viver uma bruxa e um caçador numa trama de travessia e perseguição.
De certa forma funciona como antídoto contra a hipertematização o fato de Anderson juntar num mesmo filme pós-apocalipse ambiental, medievalismo, fantasia e distopia política. Sua construção de universo não está em busca de fazer um manifesto específico sobre o estado das coisas, mas pinçar esses pedaços soltos de especulação ficcional para com eles construir uma sensação generalizada de ruína. Em Nas Terras Perdidas tudo isso apenas se presta a dar contexto e gravidade para o encontro desconfiado da bruxa com o caçador, dinâmica que de resto é definida pela tensão da caçada.
Cabe então a Paul W.S. Anderson ser o bastião desse cinema (que já foi absolutamente americano, diga-se) movido e justificado pela ação, e que consegue esboçar uma visão de mundo e uma construção de mitologia através da ação? Candidatos ao posto não há muitos, depois que o projeto Zack Snyder de alta estetização frustrou-se no seu gigantismo. Para além das suas magras pretensões, Nas Terras Perdidas consegue, sim, conectar a formação de linguagem de Anderson e do western como um todo (um pouco de Lang, um tanto de Hawks e de Leone) com a realidade do cinema de massa uniformizado pelas tecnologias correntes.
Anderson não se faz de desentendido e usa a plenos poderes o maquinário da engine Unreal para criar fundos virtuais num estúdio fechado. A partir dela, Nas Terras Perdidas se liberta para conceber travelings aéreos vertiginosos que fazem a câmera atravessar distâncias; em pouco mais de 10 minutos já sobrevoamos todo o ambiente da cidadela que determina a atmosfera do filme. Esse poder dinamizado de síntese, preocupado acima de tudo em situar o espectador espacialmente na ação, sempre foi a prioridade e a especialidade de Anderson. Aqui o diretor usa a tecnologia para ampliar esse espaço; o escopo dramático do filme não é dado no texto, mas na iluminação de cena com contrastes expressionistas muito precisos, nos travelings e na troca entre planos gerais e close-ups extremos.
Milla Jovovich tem olhos de cor tão cristalina quanto os de Clint Eastwood, exaustivamente registrados nos faroestes de Leone para a posteridade. Seus close-ups de Nas Terras Perdidas se concentram mais na segunda metade do filme, quando Anderson já parece confiante o suficiente de que a ambientação, a dinâmica do casal e o acúmulo da ação sustentam o olhar hipnotizante. Não dá para ficar mais tradicionalista do que isso, uma crença no cinema como exercício em movimento de luz e de instantes.
Nas Terras Perdidas
In the Lost Lands
Ano: 2025
País: EUA/Alemanha
Classificação: 16 anos
Duração: 101 min
Direção: Paul W.S. Anderson
Roteiro: Paul W.S. Anderson
Elenco: Dave Bautista , Milla Jovovich
Comentários (0)
Os comentários são moderados e caso viole nossos Termos e Condições de uso, o comentário será excluído. A persistência na violação acarretará em um banimento da sua conta.
Faça login no Omelete e participe dos comentários