É com uma ironia dupla, talvez involuntária, que chega a versão remasterizada, renomeada e remontada de O Poderoso Chefão 3, para celebrar os 30 anos do fim da saga de máfia mais famosa do cinema americano. Irônico porque o novo subtítulo, Desfecho: A Morte de Michael Corleone, promete literalmente um epílogo, uma coda (a versão de cinema tinha mais esse perfil do que esta versão remontada), e duplamente irônico porque Michael Corleone não morre mais no final.
As escolhas principais do diretor Francis Ford Coppola (veja a lista aqui) são no sentido de amarrar mais a narrativa do filme em si mesma, sem ficar fazendo muitas digressões visuais aos filmes anteriores. Como é tradição nesses épicos geracionais, há fotografias e porta-retratos espalhados por todos os lados - isso continua no filme todo e, em si, já relembra o passado de Vito, Michael, Kay, Sonny - mas ao eliminar o flashback da morte de Fredo (que abria o filme) e reduzir os flashbacks e as fusões na despedida de Michael (agora ele só dança com Mary em memória enquanto se despede) Coppola está fazendo uma escolha de transformar o terceiro filme menos em um apêndice dos dois primeiros e mais numa narrativa fechada, na medida do possível.
O passado permanece como espectro, mas não é mais o organizador da narrativa, que agora fica mais concisa para priorizar a trama envolvendo a corrupção na Igreja Católica. Da mesma forma, por extensão, essas escolhas demonstram um desapego do próprio Coppola em relação ao passado. A nova versão é cinco minutos mais curta que o corte de cinema e prioriza elipses que podem “melhorar” a experiência de quem nunca viu o filme, como o plano da morte de Joey (não há mais o diálogo na capela em que Conny pré-autoriza o ataque), o encontro que evidencia a traição de Altobello (a suspeita sobre ele se estica até a Sicília) e o desarme do “burrinho” na escadaria da ópera (agora não se sabe quem vai atirar em quem no fim). Pequenas intervenções na montagem pensadas para esticar situações pontuais de suspense.
É um processo bem distinto daquele feito por Coppola quando revisitou Apocalypse Now na versão Redux e talvez mostre bem como o cineasta passou por experiências bem distintas nos dois filmes. Apocalypse Now foi a provação por excelência, o filme feito na base das concessões, e, ao adicionar quase 50 minutos de filme no Redux em 2001, Coppola está se dando um luxo de contador de histórias que não teve na época. Já O Poderoso Chefão 3 é um filme que, embora feito em boa medida a contragosto, celebra Coppola no auge dos seus estilismos e do seu prestígio. Não por acaso, talvez seja o filme em que a tendência do diretor ao barroco e ao operístico mais se insinuem literalmente no texto. Em última instância, a única coisa que Coppola poderia fazer ao reabrir o filme é realmente a subtração.
Essa subtração de passagens, feita 30 anos depois, não é necessariamente uma depuração de estilo. Há já no filme de 1990 formidáveis demonstrações de síntese visual e narrativa (a começar pela abertura com a cerimônia na catedral de St. Patrick em NoLita, o que sacramenta o encontro da Igreja e de Nova York no coração das mazelas de Michael Corleone, refém da culpa cristã e da cidade) e naquela época o diretor já demonstrava, apesar dos seus caprichos de encenação, estar em busca dessas imagens encapsuladas cheias de significado. Dessa forma, O Poderoso Chefão 3 não muda tanto assim na nova versão, não temos aqui um autor que se redescobriu tardiamente ou que ainda restem a Coppola contas a acertar com o passado. Com correções de cor e iluminação na remasterização em 4K, o longa chega aos 30 de idade pronto para que sua grandiloquência comedida, preservada, seja revisitada.
Ano: 1990
País: Estados Unidos
Classificação: 14 anos
Duração: 162 minutos min