Do desespero de Charlton Heston frente à Estátua da Liberdade, em O Planeta dos Macacos (1971), ao germinar do multiverso da Marvel, em Vingadores: Ultimato (2019), pouco ou nenhum espaço foi deixado no cinema para explorações inéditas do conceito de viagem no tempo. O Projeto Adam se esforça para conseguir isso por meio de uma mistura de nostalgia, pós-modernismo e um surpreendentemente genuíno sentimentalismo, mas derrapa porque o roteiro de Jonathan Tropper, T.S. Nowlin e Jennifer Flackett e a direção de Shawn Levy não conseguem dosar igualmente esses ingredientes.
O resultado é tão inesperado quanto frustrante: enquanto acerta em cheio na caracterização dos personagens e no impacto dramático de suas relações, o longa da Netflix transforma os elementos que deveriam proporcionar um espetáculo de ficção em ruído, pois insiste em minar a profundidade emocional de seu drama e humor singulares com rompantes genéricos de ação.
A trama traz Ryan Reynolds repetindo com menos sucesso a parceria com Levy que rendeu o irresistivelmente divertido Free Guy - Assumindo o Controle (2021). Trazendo ecos de sua interpretação fracassada de Hal Jordan em Lanterna Verde (2011), o astro vive Adam Reed, um piloto do ano 2050 que rouba uma aeronave capaz de viajar no tempo. A bordo da geringonça, o bonitão vai parar em 2022, quando tinha 12 anos de idade, problemas com asma e apanhava de valentões no colégio. Obrigado a recrutar seu eu adolescente (Walker Scobell) para o cumprimento de uma missão para lá de pessoal, Reed se vê na mira da implacável Maya Sorian (Catherine Keener): uma mulher envolta em interesses escusos que é ex-sócia do pai morto do piloto, Louis (Mark Ruffalo) — físico que acidentalmente tornou-se patrono da tecnologia que viabilizou a viagem temporal.
Tanto som e fúria significa pouco mais que nada em O Projeto Adam, um filme que existe muito mais para versar sobre luto e amor do que sobre pseudociência de tela grande. Cumprindo a cartilha exigida pelo cinema-pipoca da atualidade, Tropper, Nowlin e Flackett obrigam Reynolds a apresentar já no primeiro terço do filme todas as regras de viagem temporal que ditarão o pouco mais de 1h40 de duração da trama. O resultado é que qualquer chance de fascínio ou descoberta com o desenrolar das idas e vindas cronológicas acaba sacrificado. “Só existe um lugar no tempo onde você pertence, em um nível quântico”, ele diz, rejeitando uma referência ao multiverso dos Vingadores levantada por Scobell e cravando o apagamento de qualquer realidade alternativa a partir de sua interferência no passado: “Esse é o seu tempo fixo”. Obviamente, não é uma interpretação inédita nas telonas, e também obviamente, avisa o espectador mais escolado no gênero que o terceiro ato do longa guardará aquela velha história sobre abrir mão de uma realidade alternativa ideal em prol do bem maior. Pois que rolem os créditos, obrigado e tchau.
Ou não, porque sempre que permite aos seus personagens o espaço para interações mais descompromissadas, O Projeto Adam se eleva a algo similar a uma comédia dramática de primeira linha. O texto de Tropper, Nowlin e Flackett, enquanto pedestre no seu trato dos elementos de ficção científica, é ácido e frenético em suas passagens humorísticas, mas profundo e ressonante em seus picos dramáticos. Em ambos esses momentos, a direção de Levy navega bem o limiar do piegas, amarrando com certa finesse as transições de tom. Experiente em navegar essas sutilezas, Reynolds brilha especialmente quando derruba sua típica faceta irônica e se mostra vulnerável, ao mesmo tempo em que o estreante Scobell rouba cenas justamente por evocar com maestria os maneirismos ofensivos do Mercenário Tagarela das telonas.
Como Ellie, a mãe de Adam, Jennifer Garner (Elektra) acaba relegada a um papel de coadjuvante de luxo, mas é na única cena que divide com Reynolds que O Projeto Adam alcança seu ápice. Sentados no mesmo balcão de bar, ambos partilham do luto pela morte prematura de Louis — ela, sem saber que o homem que a conforta com belas palavras é seu filho já adulto. Permitindo que o público testemunhe o reencontro físico de uma pessoa com o seu passado, atravessado pelo filtro universal da dor da perda e do amor familiar, esse momento sim consegue empregar a viagem no tempo de forma legítima e envolvente. É reconfortante, inclusive, como ele rapidamente rejeita a possibilidade de repetir De Volta Para o Futuro (1985) e não cai na armadilha de pincelar qualquer interesse amoroso incestuoso entre mãe e filho.
O espaço reservado a Garner (que pelo menos divide uma cena fofa com Ruffalo, relembrando o clássico da Sessão da Tarde De Repente 30) na trama é similar ao guardado para Laura (Zoë Saldaña), com a diferença de que a atriz do Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) ganha a chance de protagonizar a melhor sequência de ação do filme — e ao som da antológica “Good Times Bad Times”, do Led Zeppelin. Esse maior envolvimento na parte aventuresca do longa, entretanto, sai como um tiro na culatra quando Saldaña é repentinamente excluída do restante da produção. Fica, como em alguns outros momentos de O Projeto Adam, a sensação de que faltaram algumas revisões de roteiro antes das câmeras começarem a rodar. O que, aliás, não deveria ser o caso.
Idealizado em 2012, quando deveria ter sido estrelado por Tom Cruise, o filme passou todos os anos até 2020 se arrastando entre idas e vindas de pré-produção. Adquirido há dois anos pela Netflix, O Projeto Adam poderia ter tido mais algumas arestas aparadas nesse generoso meio-tempo, definindo melhor seus pontos fortes e os explorando mais a fundo.
Porque, por mais que use suas muitas referências pop em primeiro plano e sem pudor (Star Wars, De Volta Para o Futuro, o MCU, Deadpool e até Nicolas Cage viram piada nas bocas de Reynolds, Scobell e Rufallo), O Projeto Adam não consegue fugir do genérico quando mergulha na pretensão de ser cinema-pipoca de ficção científica e ação. Um pouco mais de ponderação poderia ter deixado claro que o caminho cômico-dramático elevaria a produção para além do competente, quem sabe até salvando o público e a pobre Catherine Keener de testemunhar uma versão rejuvenescida em CGI que é absolutamente horrenda, conseguindo a proeza de ser infinitamente pior que o bonecão de jovem Jeff Bridges massacrado pela crítica em Tron - O Legado (2010).
Ah, se pudéssemos voltar no tempo!
Ano: 2022
País: Estados Unidos
Classificação: 12 anos
Duração: 106 minutos min
Direção: Shawn Levy
Roteiro: Jonathan Tropper
Elenco: Ryan Reynolds, Jennifer Garner, Mark Ruffalo