Ken Loach não esconde seus artifícios no frustrante O Último Pub

Créditos da imagem: Synapse/Divulgação

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Crítica

Ken Loach não esconde seus artifícios no frustrante O Último Pub

Contrariando sua assinatura humanista com uma abordagem mecânica, Loach sufoca emoções de seu último filme

Omelete
4 min de leitura
08.08.2024, às 15H37.

Mesmo quem está pouco familiarizado com o trabalho de Ken Loach terá uma ideia de que tipo de filme é O Último Pub, o suposto último longa-metragem do cineasta britânico. O pensamento se forma quase instantaneamente quando um grupo de refugiados da Síria desce do ônibus numa vila próxima a Newcastle, no noroeste da Inglaterra. O grupo é mal recebido por quase todos os cidadãos; um deles chega a quebrar a câmera de Yara (Ebla Mari), a única capaz de falar inglês. A exceção à regra é TJ Ballantyne (Dave Turner), um velho dono de pub com rosto triste mas olhos atenciosos.

Aqueles já acostumados com a assinatura de Loach - especialista em protagonistas tristes, finais deprimentes e fortes emoções - terão uma percepção ainda mais imediata. Loach, talvez vendo o fim da carreira, abraça sua identidade como cineasta sem resguardo, para o bem e para o mal.

A cidadezinha abandonada, os rostos comuns e a deprimente situação da raça humana são contrapostos com pequenos e significativos gestos de gentileza sugerindo um caminho melhor para frente. A florescente amizade de TJ e Yara, duas pessoas experientes na perda e isolação, talvez seja o caminho para unir essas tribos tão diferentes; britânicos abandonados pela divisão de classe e desesperados para encontrar culpados, e imigrantes assustados que servem como alvo perfeito para essa frustração acumulada.

Fotografado com olhar naturalista por Robbie Ryan e encenado por um elenco de atores não profissionais, incluindo Turner, O Último Pub não tenta esconder as características de seu diretor, preferindo pular de cabeça nas suas tendências por discursos sociais e sentimentalismo mascarados pelo ácido humor de quem usa o inglês da Rainha. Tudo isso com a missão de formar um suposto olhar humanitário a cada personagem. Apesar das falas engraçadas aqui e ali, o roteiro de Paul Laverty é um exercício de se levar a sério, e a direção de Loach deixa aparentemente todas as artimanhas desse texto. Combinados, eles deixam cada ideia que O Último Pub anuncia com ar de importância clara como a impressão inicial. É justamente nessa jogada, uma tentativa de nos conduzir de maneira absoluta, que Loach acaba com suas chances.

Conforme TJ se vê dividido entre seus últimos clientes regulares, um grupo de racistas levemente engraçados, e seu desejo de fazer o bem aos recém-chegados sírios em fuga do regime Assad. Traçando paralelos entre os novos moradores e a época de seus pais como mineradores, quando sua vila era viva, economicamente ativa e unida por um senso palpável de comunidade, TJ acorda de um sono de décadas para transformar o pub de onde o filme tira seu título num lugar de solidariedade.

Nesse processo, monólogos enlatados e palavras cuidadosamente escolhidas ajudam a deixar bem claro para a audiência os temas de O Último Pub. Se o filme sofre, não é por falta de clareza na comunicação.

Quando sofremos injustiça, não buscamos lutar contra quem está no topo, mas sim procuramos alguém abaixo de nós para descontar a raiva, TJ profere. Semelhantemente, Yara recebe falas didáticas para explicar, frase por frase, os dilemas enfrentados por quem está exilado de seu país. Eventualmente, Loach parece estar construindo situação após situação não para gerar drama, mas para pregar. TJ e Yara gradualmente perdem a humanidade para virar megafones.

Essa transformação é quase impedida pelo elenco. Turner, em particular, não traz nenhuma firula para TJ, interpretando-o com os dois pés no chão para transformá-lo numa figura de inspiração e melancolia. Um pouco mais rebuscada, Mari se encaixa bem como sua parceira de cena, convencendo-nos da capacidade dessa garota de despertar algo dormente em seu novo amigo. Coadjuvantes como o preconceituoso Charlie (Trevor Fox) e a idealista Tania (Debbie Honeywood) adicionam mais cores ao quadro pintado por Loach, sugerindo vida até mesmo nos cantos mais frios desse lugar esquecido pelo tempo. Cada um traz tanta credibilidade à construção desse mundo, que a artificialidade do texto e direção se torna ainda mais imperdoável.

Não são só os argumentos e declarações cheio de pompa e relevância; toda a estrutura do filme parece trabalhar para contrariar o efeito buscado por Loach no visual orgânico e nas atuações espontâneas. De mortes para motivar TJ até toda interação esperada de uma narrativa deste gênero quando Yara cruza o caminho de outro ignorante, O Último Pub é repleto de mecanismos desenhados com a intenção de arrancar lágrimas. Isso, claro, funciona. Somos frequentemente levados pelos acontecimentos comoventes, mas a que preço?

Essas reações não são genuínas. Mais do que tentar ser honesto e gerar em nós uma conexão verdadeira com uma história repleta de personagens bem estabelecidos, Loach quer manipular. Sem confiança na capacidade de O Último Pub de ser dramaticamente interessante e assim tornar-se memorável, ele deseja tanto um resultado específico que está disposto a deixar à mostra todos os seus truques. Para um diretor tão humanista, essa abordagem sistemática é decepcionante.

Nota do Crítico
Regular
O Último Pub
The Last Oak
O Último Pub
The Last Oak

Ano: 2024

País: Inglaterra

Direção: Ken Loach

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