Oeste Outra Vez passa muito tempo observando os ambientes onde vivem, sozinhos, os seus protagonistas. É até curioso notar, inclusive, que o design de produção do longa seja assinado por uma mulher (Carol Tanajura, veterana de filmes como Longe do Paraíso e A Cidade do Futuro). Em cada detalhe das casas de Totó (Ângelo Antônio), Durval (Babu Santana), Jerominho (Rodger Rogério) e Ermitão (Antonio Pitanga) fica evidente uma negligência que transborda em pias lotadas de louças sujas, fogões de porta quebrada, lixo amontoado pelos cantos… enfim, bagunças e desajustes estereotipadamente masculinos, que o filme usa para nos localizar firmemente em sua versão da masculinidade. São homens que nunca aprenderam a cuidar de si, do mundo ao seu redor, e muito menos dos outros.
Para falar desses homens, o diretor e roteirista Erico Rassi (aqui em seu segundo longa, após Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta, de 2016) costura com habilidade alguns gêneros diferentes. De um lado, como o próprio título denuncia, Oeste Outra Vez é uma espécie de faroeste sertanejo. A partir daí vem a construção arquetípica de sua trama, fundada na rivalidade entre Totó e Durval, que contratam matadores de aluguel duvidosos para eliminar um ao outro. Com o diretor de fotografia André Carvalheira, também seu parceiro no longa-metragem anterior, Rassi preenche o sertão de Goiás em amarelos, laranjas e marrons, sem economizar tampouco nas tomadas panorâmicas que estabelecem a vastidão daquele cenário, e até por isso os imensos espaços vazios que existem entre os personagens.
Como os caubóis de Clint Eastwood ou John Wayne, os protagonistas de Oeste Outra Vez são criaturas solitárias que tendem ao auto-engrandecimento, à auto-mitologização. Mas para eles, também, a violência é a forma de encontrar um propósito diante de todos os abandonos que sofreram… bom, por causa da própria violência. É nesse ciclo vicioso que Rassi encontra, ao mesmo tempo, o drama e a comédia do seu filme. Se Oeste Outra Vez é um faroeste, portanto, é um faroeste com o tempero auto irônico e cruel dos irmãos Coen. O texto tem plena noção, por exemplo, do ridículo dos tratos obsessivamente formais que esses homens usam entre si - nenhum outro filme sobre masculinidade observou com tanta precisão como homens usam a polidez como arma para manter uma distância emocional “segura” uns dos outros.
Em meio a um “não, senhor” e outro “capaz que sim”, de rigidez que só se quebra mesmo pelos arroubos violentos que pontuam a trama, Oeste Outra Vez vai fazendo graça do isolamento autoimposto desses homens sem perder de vista sua tragédia. A magia do filme é fazer rir com o absurdo de uma humanidade que, na verdade, tem muito pouco de exagerado para efeito dramático - uma comédia de observação amarga, que vai se movendo lentamente na direção da melancolia. E tanto é assim que, em uma sequência final absolutamente inesquecível, Oeste Outra Vez explode nos dois extremos ao mesmo tempo, uma ilusão de catarse e gregariedade que esconde por baixo dela um último golpe doído da lâmina retórica de Rassi.
Ajuda muito, é claro, que Ângelo Antônio entregue uma performance contraposta à sofisticação quieta e inflexível pela qual ficou conhecido na TV e no cinema. Apesar de parecer rígido nas convicções estúpidas que soletram sua miséria, o Totó de Oeste Outra Vez também deixa transparecer uma consciência aguda do quão equivocadas elas estão, e de quanta perturbação esses equívocos lhe causaram. É tarde demais para ele, parece nos dizer o ator, com pouco mais do que os olhos, e talvez seja tarde demais também para todos esses homens que seguem teimosamente em uma estrada fria, sozinha, desprovida de cuidado. A humanidade apagando a própria humanidade, de novo e de novo, até não ter mais nada para apagar.
Oeste Outra Vez
Ano: 2024
País: Brasil
Duração: 98 min
Direção: Erico Rassi
Roteiro: Erico Rassi
Elenco: Ângelo Antônio , Babú Santana , Rodger Rogério , Antonio Pitanga