Oferenda ao Demônio contorna falta de recursos com inteligência narrativa
Terror de Oliver Park é trash de propósito, mas também penetrante ao examinar o luto
Créditos da imagem: Cena de Oferenda ao Demônio (Reprodução)
Filmes de terror que usam seus monstros e assombrações como forma de explorar os traumas dos protagonistas humanos podem parecer um clichê contemporâneo cansado nessa época de Hereditário, O Babadook e seus companheiros de “horror elevado”. A verdade, no entanto, é que esse subtexto emocional (quando não social!) sempre fez parte do DNA do gênero - e pudera: o que é o medo, senão aquilo que sentimos quando algo mexe com a parte de nós que mais queremos esconder, frequentemente de nós mesmos?
Oferenda ao Demônio sabe que não tem nada de alarmantemente novo a dizer sobre o luto, mas sabe também que “dizer algo novo” não é a missão de filme nenhum, que dirá de um filme de terror. O cinema de horror é bem sucedido não na mesma medida em que é original, mas sim na mesma medida em que consegue cutucar, provocar um cantinho da nossa mente que desejamos manter fora do alcance de olhares curiosos, e sobre o qual nós mesmos não gostamos de pensar muito.
Isso o filme de Oliver Park (cujo único crédito anterior tinha sido em um dos curtas da coletânea Nightmare Radio) faz muito bem ao contar a história de um jovem judeu (Nick Blood, de Agents of SHIELD) e sua esposa grávida (Emily Wiseman), que resolvem se reaproximar do pai do rapaz (Allan Corduner) logo no momento em que um cadáver amaldiçoado chega à casa funerária que o patriarca administra. A odisseia que se segue envolve um antigo demônio judaico, múltiplas gerações de jovens mortas ou desaparecidas e o maior horror de todos: uma fatura bancária impossível de pagar.
Brincadeiras à parte, o roteiro dos estreantes Hank Hoffman e Jonathan Yunger confecciona com habilidade um coquetel de culpa religiosa, ambição desmedida, orgulho masculino e implicações queer trágicas que vai se infiltrando de forma desconfortável por baixo da pele do espectador - você não vai estar pensando na falta de originalidade de Oferenda ao Demônio quando os créditos subirem, é o que eu quero dizer. Acima de tudo, o filme é honesto com o espectador sobre suas ambições e as possibilidades de seu orçamento, encadeando sustos fáceis e cenas dramáticas competentes na primeira metade de seus ágeis 93 minutos enquanto guarda suas melhores ideias (principalmente as visuais) para o clímax.
Isso porque Park se mostra, eventualmente, herdeiro legítimo de tradições importantes do trash. Por exemplo: Oferenda ao Demônio é afeito a esconder a sua criatura, realizada com efeitos práticos capengas, por trás de labaredas dramáticas e viradas bruscas de câmera, deixando que o espectador preencha as lacunas do seu visual a partir dos relances barrocos que temos dela durante o clímax. Os protagonistas humanos, enquanto isso, são lançados pelo ar e presos às paredes e tetos da casa mal-assombrada onde vivem, assolada por ventos apocalípticos que levantam fumaça de gelo seco e folhas secas de um chão de madeira que estava impecavelmente limpo e encerado poucos planos atrás.
É tudo no espírito da diversão, é claro. Oferenda ao Demônio consegue chegar sem tanto esforço ao equilíbrio que tantas produções de Hollywood, dentro e fora do terror, buscam hoje em dia: ele entretém o público com seus acenos ao cânone do gênero em que se encontra, e sua circunvenção eficiente da própria falta de recursos, mas também usa esse diálogo aberto que estabelece com o espectador para se engajar em reflexões penetrantes, ainda que nem um pouco novas, sobre o luto e suas diferentes encarnações na sociedade complexa que construímos para nós mesmos.
Se parece uma contradição para você, sem problema. Como toda arte, o cinema prospera quando entra em contradição consigo mesmo.
Oferenda ao Demônio
The Offering
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