Quase três décadas de estrelato na Coreia do Sul natal - além do sucesso global estonteante de Round 6 e sua subsequente vitória no Emmy, é claro- deram a Lee Jung-jae uma daquelas raras cartas brancas artísticas que a indústria do entretenimento costuma dar para figuras no auge de sua influência e êxito comercial. O que essas figuras escolhem fazer com tal carta branca é frequentemente revelador de seu verdadeiro valor artístico e faro cultural, nem sempre num bom sentido: tome o exemplo de Kevin Costner, que famosamente fez os horrendos Robin Hood, Waterworld e O Mensageiro logo depois de atingir o Olimpo hollywoodiano com Dança com Lobos.
Por sorte, Lee Jung-jae está longe de ser Kevin Costner, e seu projeto de estimação Operação Hunt se mostra um thriller de espionagem tenso, bem-amarrado em suas intrigas políticas corajosamente complexas, comprometidamente épico e violento em suas cenas de ação, editado e encenado com a urgência necessária para manter o espectador grudado à tela por suas 2h10 de duração. Pense em uma versão de O Espião que Sabia Demais com mais sangue e muito mais cenas de perseguição - ou, talvez, um remake de Atômica com alguns neurônios funcionais.
Comparações venenosas à parte (ambos os filmes citados acima têm seus méritos!), o roteiro de Jo Seung-Hee dá a Operação Hunt aquela aura de narrativa de espiões clássica, à la John Le Carré, mas trata de anabolizar essa linguagem para a geração dos tracking shots e da linguagem do comercial adaptada para o cinema. Por trás das câmeras, enquanto isso, Lee não se faz de rogado: há até ecos de Cidade de Deus em uma cena específica no miolo do filme, uma alucinante emboscada motorizada pelas ruas de uma metrópole coreana que lembra, em alguns enquadramentos, a fuga de Cabeleira no final do primeiro ato do filme de Fernando Meirelles.
A premissa de Operação Hunt, apesar de todas as complicações que se desenrolam a partir dela, é bem direta: o próprio Lee Jung-jae entrega uma atuação supremamente centrada na pele de Park Pyong-po, chefe de segurança emaranhado na burocracia do governo de aspirações totalitárias que dominava a Coreia do Sul em meados dos anos 1980. O superior do protagonista e do seu rival Kim Jung-do (Jung Woo-sung, de O Mar da Tranquilidade) joga com essa inimizade ao instigar os dois a se investigarem mutuamente, a fim de descobrir quem é o espião norte-coreano que está vazando informações sensíveis e tramando o assassinato do presidente sul-coreano.
O longa toma a decisão esperta de evitar o jogo das implicações internacionais e se focar em um conflito interno, através do qual pode se mostrar mais penetrante e preciso sobre a situação política do país onde de fato se passa a história - e o que ela pode dizer aos espectadores contemporâneos que a assistem. Park e Kim, inicialmente desenhados como espiões rivais à la Os Infiltrados (ou Conflitos Internos, para ficar nas referências de matriz leste-asiática), vão aos poucos desvelando as mentiras e falcatruas um do outro, descobrindo como suas agendas se alinham ou divergem, e Operação Hunt se revela assim um filme politicamente maduro, consciente das complexidades morais que decorrem da luta contra o autoritarismo.
O que Lee Jung-jae faz aqui, no fim das contas, não é tão distante do que S.S. Rajamouli fez em RRR: transformar em entretenimento o esforço revolucionário de dois protagonistas que, partindo de pontos diferentes, desejam chegar ao mesmo lugar (a deposição de um governo que massacra violentamente o seu povo). A diferença é que, enquanto o épico indiano escolhe a hipérbole digitalizada e o bom humor para realizar essa transformação, Operação Hunt a consuma através da tensão, e de uma espécie de adrenalina mais fundada na realidade, na linguagem clássica da fisicalidade cinematográfica, em uma construção de mundo menos permissiva - mas, nem por isso, menos excitante.
Inegavelmente épico com seu clímax em que tudo vai pelos ares, e surpreendentemente amargo em suas reviravoltas finais, este “projeto de vaidade” (vanity project, termo em inglês para os projetos-xodó dos grandes astros e estrelas do entretenimento) nega o próprio epíteto. Longe de ser vaidoso, Lee Jung-jae entrega em Operação Hunt uma dose generosa e energizadora de inteligência ao thriller contemporâneo.
Operação Hunt
헌트
Ano: 2022
País: Coreia do Sul
Duração: 111 min
Direção: Lee Jung-jae
Roteiro: Jo Seung-Hee
Elenco: Lee Jung-jae , Jung Woo-Sung
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