Se há algo de politicagem engrandecedora em Os Sonhos de Pepe, documentário de Pablo Trobo sobre o ex-presidente uruguaio José “Pepe” Mujica, ao menos a breguice combina um pouco com a mensagem entregue pelo biografado durante o filme. Diante de suas preocupações com a crise climática, com as consequências ambientais e íntimas do capitalismo tardio e da globalização, o que o estadista que foi chamado de “presidente filósofo” durante seu mandato propõe é, essencialmente, uma recentralização da política à moda antiga para suplantar os desmandes do mercado. Mujica fala muito, sobre muita coisa, durante o filme - mas ele parece sempre voltar à necessidade de que voltemos a nos governar, ao invés de deixarmos que um sistema financeiro nos governe.
“Presidentes fazem o que podem, e os Estados Unidos são o lugar onde eles podem menos”, comenta ele em um ponto do filme, remanescendo sobre seus encontros com Barack Obama. Vale apontar que, durante Os Sonhos de Pepe, o diretor Trobo acompanha seu protagonista por viagens aos EUA, Japão, Brasil, Reino Unido, Alemanha e mais - do Uruguai, mesmo, vemos pouco além da já mítica fazenda humilde na qual Mujica decidiu continuar morando mesmo durante sua presidência. Isso porque o documentário está mais interessado no que ele representa como figura global, no que ele muda no paradigma de chefes de Estado que se estabeleceu no “mundo democrático contemporâneo” (em certo ponto, um off do próprio Mujica questiona o “tratamento monárquico” que damos aos líderes desta era), do que nas mudanças que ele conseguiu operar em seu país.
Por vezes, essas andanças do ex-presidente pelo mundo são acompanhadas por um sobe-som da trilha sonora sinfônica de Mauricio Trobo, um truque que vai ficando cansado com o passar da 1h30 do filme. É interessante, sim, ver a atenção com a qual as provocações de Mujica são recebidas pelo mundo, especialmente diante de uma geração que ainda tem chance de implantar as mudanças sísmicas que ele propõe no nosso modo de viver - mas a necessidade de romantizar essas aparições públicas poderia ser o calcanhar de Aquiles do filme, se ele se estendesse um pouco mais. Ademais, a retórica de Mujica é um tanto antitética a esse engrandecimento, fundada como é em redirecionar conceitos normalmente abstratos de política para a realidade emocional do cidadão comum.
Melhor é quando Os Sonhos de Pepe ocupa seu tempo com propostas mais criativas, seja o entrecortar rápido de paisagens urbanas com a narração de Mujica ou a intervenção inesperada de CGI que serve para acompanhar uma passagem em específico. Esses momentos até podem parecer delírios artísticos elevados de Pablo Trobo, mas há algo de acessível nas escolhas que o diretor faz, alinhado com a filosofia do próprio protagonista do filme - essas intervenções poéticas são sempre sobre ilustrar e explicar, nunca sobre ofuscar. O trunfo de Os Sonhos de Mujica é sua economia, enfim, ou talvez seja a sua precisão de mensagem: ele fica na tela exatamente o tempo que precisa para dizer o que quer dizer.
O fato de ter algo inegavelmente oportuno para dizer, e um orador tão astuto quanto charmosamente despretensioso para dizê-lo, é a cereja do bolo.
Ano: 2024
País: Uruguai
Duração: 90 min
Direção: Pablo Trobo
Elenco: Pepe Mujica