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Crítica

Em conto de fadas às avessas, Sofia Coppola tira Priscilla da sombra de Elvis

Novo filme de Sofia Coppola acompanha trajetória de Priscilla Presley, esposa do Rei do Rock

Omelete
4 min de leitura
04.01.2024, às 18H46.
Atualizada em 09.01.2024, ÀS 18H01

À primeira vista, a história de Priscilla Presley parece ter saído direto de um conto de fadas: adolescente, vivendo em um país estrangeiro, ela chamou a atenção do já famoso Elvis Presley e viveu com ele um romance arrebatador, que durou mais de uma década e resultou em um casamento e uma filha. Mas a realidade, sabemos, raramente é tão bonita quanto as histórias de princesas – e Sofia Coppola faz um belíssimo trabalho de conferir cores e nuances a esta trama em seu novo filme, Priscilla.

Como o próprio título já indica, o longa está centrado na perspectiva de Priscilla e em sua jornada de amadurecimento no decorrer de seu relacionamento repleto de altos e baixos com o Rei do Rock. Baseado em um livro escrito por sua própria protagonista, Elvis e Eu (1985), ele reconta a história de Priscilla a partir do momento em que ela, ainda com 14 anos e morando em uma base militar americana na Alemanha, é abordada por um colega de Elvis, que a convida para uma festa na casa do astro.

O convite, obviamente, deixa a jovem Priscilla animada, mas causa desconforto em seus pais – e também no público. Afinal, a Priscilla de Cailee Spaeny, com suas roupas em tons pastel, saias rodadas e cabelos em um rabo de cavalo, é claramente muito jovem para tal convite, especialmente aos olhos de hoje. A sensação é potencializada quando ela de fato conhece o Elvis vivido por Jacob Elordi, um homem de 24 anos já bem-sucedido, e se faz então uma presença constante pelo resto do filme.

O desconforto não advém só da diferença de idades, mas, principalmente, da dinâmica de poder que existe entre o par e que se consolida gradualmente ao longo da história. Fica óbvio desde o início que o relacionamento acontece nos termos de Elvis, em um processo que se intensifica a partir do momento em que Priscilla se muda para Graceland. Ela é moldada como uma boneca por ele, que diz como ela deve se vestir, se maquiar e pintar os cabelos. Ela ainda perde parte de sua liberdade: não pode trabalhar mesmo com o cantor longe, porque ele precisa que ela esteja em casa quando ele ligar, nem brincar com o cachorro na frente de seu lar, já que pode ser avistada por fãs e fotógrafos.

Coppola constrói esse processo de forma sutil, em lindos cenários e quadros que só reforçam o caráter de conto de fadas às avessas da sua história. É nos cômodos imponentes de Graceland, transformados em uma gaiola de ouro, que Priscilla se depara com sua solidão e, de forma melancólica, começa aos poucos a entender a si e a seus desejos. Ao mesmo tempo, ela é obrigada a desconstruir a imagem idealizada que tem de seu amado.

O mais interessante é que a cineasta não está interessada em grandes arroubos: não há um momento especial ou grandioso que defina o relacionamento de Elvis e Priscilla, ou que marque um ponto de virada para a personagem; assim como acontece para a maior parte de nós, é o acúmulo das pequenas coisas que nos leva a amadurecer, questionar e, no fim, tomar decisões.

É este aspecto, talvez, o que mais afaste Priscilla de Elvis, a cinebiografia lançada por Baz Luhrmann em 2022. Enquanto Luhrmann fez da vida de Elvis um espetáculo em si, Coppola está interessada no lado íntimo e doméstico do astro e, principalmente, em Priscilla, pouco vista e retratada. Não à toa, o único lampejo de Elvis no palco que a diretora entrega é filmado de trás, como se visto pela própria esposa. Mas é importante ressaltar que Priscilla, o filme, não demoniza a figura do cantor. O Elvis aqui é, acima de tudo, humano – um humano com falhas, com momentos de ternura, vulnerabilidade e imaturidade. Reconhecer isso não é demérito à marca que ele deixou na história da música; ídolos, afinal, também são falíveis.

Para essa humanidade funcionar, em muito contribuem, claro, os intérpretes de Priscilla e Elvis. Cailee Spaeny, se entrega a uma atuação contida, mas ainda assim muito expressiva do turbilhão silencioso pelo qual sua personagem passa. Jacob Elordi, por sua vez, retrata com intensidade as sombras e o charme do Rei do Rock, e faz um trabalho de voz que impressiona.

Todos esses elementos se unem para formar uma história sensível, embora dolorosa, de amadurecimento. Ao fim, não resta a Priscilla outra opção a não ser deixar a mansão e Elvis, mesmo que o ame. O filme então se encerra, de forma arrebatadora, ao som de “I Will Always Love You”, de Dolly Parton, em um dos mais belos finais da história do cinema recente. 

Nota do Crítico
Ótimo
Priscilla
Priscilla
Priscilla
Priscilla

Direção: Sofia Coppola

Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi

Onde assistir:
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