À primeira vista, a história de Priscilla Presley parece ter saído direto de um conto de fadas: adolescente, vivendo em um país estrangeiro, ela chamou a atenção do já famoso Elvis Presley e viveu com ele um romance arrebatador, que durou mais de uma década e resultou em um casamento e uma filha. Mas a realidade, sabemos, raramente é tão bonita quanto as histórias de princesas – e Sofia Coppola faz um belíssimo trabalho de conferir cores e nuances a esta trama em seu novo filme, Priscilla.
Como o próprio título já indica, o longa está centrado na perspectiva de Priscilla e em sua jornada de amadurecimento no decorrer de seu relacionamento repleto de altos e baixos com o Rei do Rock. Baseado em um livro escrito por sua própria protagonista, Elvis e Eu (1985), ele reconta a história de Priscilla a partir do momento em que ela, ainda com 14 anos e morando em uma base militar americana na Alemanha, é abordada por um colega de Elvis, que a convida para uma festa na casa do astro.
O convite, obviamente, deixa a jovem Priscilla animada, mas causa desconforto em seus pais – e também no público. Afinal, a Priscilla de Cailee Spaeny, com suas roupas em tons pastel, saias rodadas e cabelos em um rabo de cavalo, é claramente muito jovem para tal convite, especialmente aos olhos de hoje. A sensação é potencializada quando ela de fato conhece o Elvis vivido por Jacob Elordi, um homem de 24 anos já bem-sucedido, e se faz então uma presença constante pelo resto do filme.
O desconforto não advém só da diferença de idades, mas, principalmente, da dinâmica de poder que existe entre o par e que se consolida gradualmente ao longo da história. Fica óbvio desde o início que o relacionamento acontece nos termos de Elvis, em um processo que se intensifica a partir do momento em que Priscilla se muda para Graceland. Ela é moldada como uma boneca por ele, que diz como ela deve se vestir, se maquiar e pintar os cabelos. Ela ainda perde parte de sua liberdade: não pode trabalhar mesmo com o cantor longe, porque ele precisa que ela esteja em casa quando ele ligar, nem brincar com o cachorro na frente de seu lar, já que pode ser avistada por fãs e fotógrafos.
Coppola constrói esse processo de forma sutil, em lindos cenários e quadros que só reforçam o caráter de conto de fadas às avessas da sua história. É nos cômodos imponentes de Graceland, transformados em uma gaiola de ouro, que Priscilla se depara com sua solidão e, de forma melancólica, começa aos poucos a entender a si e a seus desejos. Ao mesmo tempo, ela é obrigada a desconstruir a imagem idealizada que tem de seu amado.
O mais interessante é que a cineasta não está interessada em grandes arroubos: não há um momento especial ou grandioso que defina o relacionamento de Elvis e Priscilla, ou que marque um ponto de virada para a personagem; assim como acontece para a maior parte de nós, é o acúmulo das pequenas coisas que nos leva a amadurecer, questionar e, no fim, tomar decisões.
É este aspecto, talvez, o que mais afaste Priscilla de Elvis, a cinebiografia lançada por Baz Luhrmann em 2022. Enquanto Luhrmann fez da vida de Elvis um espetáculo em si, Coppola está interessada no lado íntimo e doméstico do astro e, principalmente, em Priscilla, pouco vista e retratada. Não à toa, o único lampejo de Elvis no palco que a diretora entrega é filmado de trás, como se visto pela própria esposa. Mas é importante ressaltar que Priscilla, o filme, não demoniza a figura do cantor. O Elvis aqui é, acima de tudo, humano – um humano com falhas, com momentos de ternura, vulnerabilidade e imaturidade. Reconhecer isso não é demérito à marca que ele deixou na história da música; ídolos, afinal, também são falíveis.
Para essa humanidade funcionar, em muito contribuem, claro, os intérpretes de Priscilla e Elvis. Cailee Spaeny, se entrega a uma atuação contida, mas ainda assim muito expressiva do turbilhão silencioso pelo qual sua personagem passa. Jacob Elordi, por sua vez, retrata com intensidade as sombras e o charme do Rei do Rock, e faz um trabalho de voz que impressiona.
Todos esses elementos se unem para formar uma história sensível, embora dolorosa, de amadurecimento. Ao fim, não resta a Priscilla outra opção a não ser deixar a mansão e Elvis, mesmo que o ame. O filme então se encerra, de forma arrebatadora, ao som de “I Will Always Love You”, de Dolly Parton, em um dos mais belos finais da história do cinema recente.
Direção: Sofia Coppola
Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi