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Quando Eu Era Vivo | Crítica

Marco Dutra opta por elementos consagrados do terror sobrenatural hollywoodiano para adaptar A Arte de Produzir Efeito sem Causa

30.01.2014, às 19H03.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H13

"Cabeça vazia, oficina do diabo" parece ser o tema dominante dos romances do escritor Lourenço Mutarelli, pelo menos dos três adaptados ao cinema pela produtora brasileira RT Features: O Cheiro do Ralo, Natimorto e A Arte de Produzir Efeito sem Causa - livro de 2008 que agora está virando o filme Quando Eu Era Vivo.

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Das três adaptações, esta mais recente é a melhor, e o espírito do livro de Mutarelli permanece intacto, embora o roteiro escrito por Gabriela Amaral Almeida e Marco Dutra faça modificações significativas na trama. Acompanhamos Júnior (Marat Descartes), que brigou com a esposa, largou o emprego e retorna para o apartamento de seu pai viúvo (Antônio Fagundes), onde ele cresceu. A ideia é que Júnior fique por alguns dias apenas, até arrumar sua vida, mas a regressão - o contato com o passado, com os cuidados do pai - mexe com a sua cabeça vazia.

No livro, apesar do título, Mutarelli oferece algumas causas para a piração de Júnior, envolvendo a relação com a esposa, seu filho e seu ex-emprego. No filme dirigido por Dutra, a ideia é aproximar mais Quando Eu Era Vivo dos suspenses sobrenaturais hollywoodianos, então os motivos se tornam mais sinistros e menos rotineiros. Descobrimos a tendência da falecida mãe de Júnior para o ocultismo, motor da trama, e os efeitos que isso gera, ligados a elementos consagrados de filmes de terror: rabiscos macabros de criança, cantigas, mensagens cifradas, brinquedos e bibelôs funestos espalhados pela casa (claro que não podia faltar um boneco tipo Fofão).

A sedução do inocente, outro elemento constante no terror, aparece em Quando Eu Era Vivo em flashbacks e principalmente na figura de Sandy Leah, que interpreta uma estudante que aluga um quarto na casa do pai de Júnior. Já faz tempo que a cantora tenta se afastar publicamente da imagem de menina dócil, e embora sua participação tenha muito de inocência, a presença de Sandy no filme é mais complexa: ela canta com sua voz de anjo mas num contexto diabólico. É o tipo de performance que acrescenta ao terror, porque, como Edgar Allan Poe acreditava, não há nada mais terrível do que o fim de uma coisa bela.

É uma morte lenta, um processo de embalsamamento, que o espectador presencia em Quando Eu Era Vivo. A direção de fotografia de Ivo Lopes Araújo, o principal profissional dessa área hoje no cinema brasileiro, dá a atmosfera necessária: o filme começa com o apartamento iluminado como qualquer casa de classe média, com aquele branco cegante de lâmpadas econômicas, e termina nas sombras, como se estivéssemos num casarão gótico mal-assombrado, com música sacra, em franco clima de velório.

Acreditar nessa morte lenta é fundamental para comprar o cinema de gênero que Quando Eu Era Vivo nos vende, e nesse ponto o filme poderia ser mais longo ou mais ousado nas elipses de tempo, para transmitir melhor o senso de ruína de Júnior - que pelo estado de sua barba deve ficar na casa do pai, ao longo do filme, por apenas uma semana. De peruca e com sua cara de louco habitual, Marat Descartes acaba criando um personagem de uma nota só. (Ele convence mais como noia no recente Corpo Presente, um ótimo filme que de certa maneira também flerta com o terror, com seus "zumbis".)

Com Quando Eu Era Vivo, Marco Dutra se aproxima dos terrores mais populares que cultiva como cinéfilo - de Shyamalan a Atividade Paranormal - e deixa um pouco de lado o teor social de sua estreia como diretor em longas, o premiado Trabalhar Cansa, codirigido com Juliana Rojas (que é montadora de Quando Eu Era Vivo). O mal-estar generalizado, transformado naquele filme em história de horror fantástico, aparece logo no início de Quando Eu Era Vivo com a menção ao louco da rua, esse sintoma de "doenças" que aprendemos a ignorar. Embora o grito do louco permaneça sempre (o design de som em alto volume é outro trunfo do filme), Quando Eu Era Vivo não é tanto um terror social quanto Trabalhar Cansa ou O Som ao Redor. Está mais para uma versão edipiana de O Iluminado.

Quando Eu Era Vivo | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom
Quando Eu Era Vivo
Quando Eu Era Vivo
Quando Eu Era Vivo
Quando Eu Era Vivo

Ano: 2012

País: Brasil

Classificação: 12 anos

Duração: 109 min

Direção: Marco Dutra

Elenco: Antônio Fagundes, Marat Descartes, Sandy Leah, Gilda Nomacce, Helena Albergaria

Onde assistir:
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