Tocante e subversivo, Regras do Amor faz um bom histórico dos excluídos

Fãs de k-dramas e do lado mais comercial do cinema sul-coreano devem saber que uma grande parte dos romances - sejam eles mais puxados para a tragédia ou a comédia - produzidos no país terminam em uma cena de casamento. É quase a mesma tradição das novelas brasileiras, também com as mesmas variações criadas para surpreender o público: talvez a mocinha não esteja se casando com o mocinho, seu amor perdido para sempre em algum equívoco pelo caminho; ou talvez sejam os coadjuvantes que estejam celebrando seu casório, deixando o casal principal na plateia, seja qual for o status do relacionamento deles. Com o tempo, até o design de produção e a cadência particular dessas cerimônias maquiadas para a tela passaram a se tornar familiares para o público do gênero como qualquer clichê hollywoodiano.

Fanservice à parte, não é uma má convenção narrativa para se ter. Casamentos dão bons finais porque normalmente representam o fechamento de um ciclo e abertura de um novo, a transformação definitiva das rotinas e das relações que definiram a história contada até então. Mas Regras do Amor na Cidade Grande tem outra coisa em mente. Sem o risco de entregar demais para os espectadores que não leram o livro original de Sang Young Park, um sucesso editorial e crítico na Coreia do Sul desde 2019 - nem viram a série baseada nele, lançada no ano passado e disponível no Brasil pelo streaming Rakuten Viki -, Regras do Amor termina em um casamento que não significa transformação, mas sim aceitação.

A magia da obra de Park, condensada com dinamismo no formato de longa-metragem pela roteirista Kim Na-deul (Perhaps Love), está em se insinuar para dentro dos moldes dessa história que os sul-coreanos contam para si mesmos e para o mundo há décadas - tanto que ela está enterrada profundamente no subconsciente da geração que cresceu e ainda cresce acompanhando-a - só para tentar entender como se libertar deles. Afinal, Heung-soo (Steve Sanghyun Noh) e Jae-hee (Kim Go-eun) jamais conseguiriam seguir o script. Ele, um rapaz gay não assumido que construiu uma muralha emocional virtualmente impenetrável ao seu redor; ela, uma mulher jovem que não pede desculpas por ser inconsequente, impulsiva ou sexual.

Quando esses dois excluídos se conhecem, nos primeiros dias da faculdade, algo clica. E, apesar das 2h de duração, Regras do Amor na Cidade Grande se mostra ágil em estabelecer quem eles são, e porque funcionam juntos, preferindo se demorar mais nas situações espinhosas que eles ajudam um ao outro a navegar. A agilidade funciona também, é claro, porque a dupla de atores centrais entrega performances seguras: Kim (conhecida por seu papel no k-drama Goblin) abraça com entusiasmo vencedor essa manic pixie dream girl vista com muito mais carinho do que esse tipo de personagem normalmente recebe dos autores que as escrevem; e Noh (visto recentemente em Pachinko) a contrapõe com uma presença de cena dura, inflexível, centrada na tragédia de um rapaz com pinta de galã romântico que convenceu a si mesmo que nunca vai poder sê-lo.

Como ter a resiliência de continuar sendo quem somos, falhas dolorosas e tudo, quando os ventos que buscam nos dobrar ao conformismo vão ficando cada vez mais fortes conforme o tempo passa? Regras do Amor na Cidade Grande vai deixando os anos passarem, marcados na tela por letreiros que denunciam a idade dos protagonistas em cada segmento do filme, e fica cada vez mais claro que esse é um conto de busca por essa resiliência. E a beleza da história de Heung-soo e Jae-hee é que eles são, um para o outro, a resposta para essa pergunta - mesmo que não queiram admitir de pronto, do alto da arrogância teimosa dos 20 e poucos anos.

Já nos 30, quando se acercam felicidades que só puderam existir porque persistimos o bastante em encontrá-las… bom, aí é mais fácil entender quem esteve aqui por nós o tempo todo, e quem quis que virássemos algo que não somos. O joio e o trigo, etc e tal. E só um deles ganha o privilégio de dançar no nosso casamento - de preferência, ao som de um k-pop bem sem vergonha, é claro.

Regras do Amor na Cidade Grande

대도시의 사랑법

Ano: 2024

País: Coreia do Sul

Duração: 118 min

Direção: E.oni

Roteiro: Kim Na-deul

Elenco: Kim Go-eun , Lee Sang-yi , Jang Hye-jin , Jung Hwi , Steve Sanghyun Noh

Onde assistir:

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