Seriam as inteligências artificiais as trombetas do apocalipse? Bom, provavelmente não, mas à ficção científica o pavor da tecnologia se presta bem demais — seja um apocalipse completo ao estilo Exterminador do Futuro ou uma distopia desumanizada do trabalho como em Blade Runner. Partindo dessa premissa, e bebendo nessas fontes do cinema scifi, o diretor e roteirista Gareth Edwards realiza Resistência, seu primeiro filme após Rogue One — Uma História Star Wars.
Resistência manifesta uma aura visualmente familiar na comparação com Rogue One. A ideia de acomodar uma narrativa tradicional de filme de guerra dentro de uma ópera espacial é a mesma operação que Edwards faz agora com o scifi distópico; naves, androides e até mesmo os sons evocam Star Wars. No novo filme de Edwards, é como se estivéssemos conhecendo um pedaço da saga pela ótica dos androides, e o fato é que essa narrativa sobre as inteligências artificiais se presta a alegoria política da mesma forma que Star Wars sempre expressou.
No filme, um atentado nos Estados Unidos faz com que a IA seja banida, mas os robôs inteligentes continuam sendo aceitos e usados no Oriente. Uma guerra entre os dois lados é protagonizada então pelos rebeldes asiáticos, que tratam os robôs como gente e assimilam as criaturas de IA nas suas relações, e os americanos, que caçam o lendário Criador do título original do filme, que seria o misterioso desenvolvedor de uma arma capaz de encerrar a guerra.
No meio disso, conhecemos Joshua, personagem de John David Washington, um agente americano infiltrado que sofre com o desaparecimento de sua esposa (Gemma Chan), uma das líderes da resistência asiática. É por meio de Joshua — em bons momentos e outros nem tanto, nos constantes saltos temporais e vaivéns do roteiro não-linear — que esse filme de tragédia familiar se conecta com sua ambição de metáfora política. O período que Edwards está evocando talvez permaneça ainda uma ferida aberta no imaginário americano: a Guerra do Vietnã, cujas imagens de sofrimento e morte assombraram o período. Não é apenas uma coincidência qualquer semelhança entre a criança que acompanha Joshua no filme e a “garota napalm”, cuja fotografia da pele queimada pelas bombas americanas é o registro mais famoso daquele conflito.
Apesar da força dessa analogia, o filme não agrega muita novidade ao extenso universo da ficção científica futurista e do relato pacifista de guerra. O que talvez beneficie Edwards é que há uma familiaridade latente em Resistência permitindo que o filme se torne mais acessível, apesar da densidade; além dos já citados Blade Runner e Exterminador do Futuro, é possível enxergar aqui Ghost in the Shell, Lobo Solitário, Apocalypse Now. Realizar essa colagem de referências com despudor e com ânimo é o que dá a energia ao filme — com o apoio de um CGI com qualidade muito acima da média e da épica trilha sonora do renomado Hanz Zimmer.
Na época do lançamento de Rogue One, muito se falou sobre a incapacidade de Gareth Edwards de realizar um filme de Star Wars que realmente fosse seu; o longa passou por um processo custoso de refilmagens e hoje entende-se que Tony Gilroy, o criador de Andor, responde muito pelo que é Rogue One. Resistência pode surpreender o público por ser um scifi ambicioso lançado sem estardalhaço em meio às greves de atores e roteiristas de Hollywood. Ainda assim, é um filme que está inserido nesse longo acerto de contas de Edwards com Star Wars, e dá pra ver em Resistência que agora o diretor coloca na tela tudo o que tinha e tem a dizer sobre a guerra nas estrelas.
Ano: 2023
País: EUA
Duração: 133 min
Direção: Gareth Edwards
Roteiro: Gareth Edwards
Elenco: Ken Watanabe, John David Washington, Gemma Chan