Em meados do ano passado, falei do documentário J-Hope in the Box aqui no Omelete, saudando o registro dos bastidores da empreitada solo de J-Hope, integrante do BTS, como “um ótimo estudo de alienação na arte”. Interessante resgatar isso agora, porque seria fácil dizer que RM: Right People, Wrong Place fala da mesma coisa - afinal, é outro documentário de menos de 1h30 de duração que serve como making of de um disco solo de um integrante do fenômeno do k-pop, e que portanto lida com alguns chavões em comum: a internacionalização do grupo de colaboradores do artista, por exemplo, traz obstáculos de comunicação e linguagem; a vontade de declarar uma identidade solo após anos de BTS, enquanto isso, representa seus próprios desafios e dobra o peso das escolhas artísticas colocadas sobre o solista.
Ora, o filme até se chama Right People, Wrong Place (em tradução literal: Pessoas Certas, Lugar Errado), frase que evoca um desajuste e um desconforto que só pode ser superado a partir da colaboração, da conexão humana. O esqueleto de uma exploração do que eu chamei de “alienação na arte”, da solidão essencial do artista como ser expressivo, mesmo diante de um time cuja razão de ser é lhe ajudar a se expressar, está todo aqui. Acontece que, muito até para legitimar a realização desses documentários solo dos membros do BTS para além do retorno financeiro, RM é uma pessoa muito diferente de J-Hope, tanto como artista quanto como jovem adulto em busca de validação emocional.
O que emerge do documentário assinado por Lee Seok-jun (parceiro constante de vários integrantes do BTS), portanto, é um rapaz muito mais preocupado em procurar sua identidade do que preparado para colocá-la à vista, seja no palco ou no encarte de um álbum. A música de RM também reflete isso, é claro - o disco do qual este filme faz crônica, intitulado Right Place, Wrong Person, é todo busca: do jazz ao R&B, do baixo acústico à guitarra elétrica, da parceria com Little Simz ao gancho melódico assobiado da canção de encerramento, “Come Back to Me”, ele é uma obra de exploração, de teste dos limites formais para os quais RM é capaz de se esticar, de pesquisa e ajuste. É um artista buscando uma posição onde possa se sentir confortável sozinho.
Esta é a mesmíssima sensação que o filme evoca, no fim das contas. Em seu melhor, RM: Right People, Wrong Place é uma mistura de texturas e formatos cinematográficos que servem para nos transportar para essa jornada de RM, na intenção de caminhar com ele na direção dessa descoberta - embora ele nunca de fato chegue lá, seja pelo prazo apertado para finalizar o álbum antes de seu alistamento militar, pela pressa para fechar o documentário em uma duração palatável para os cinemas comerciais, ou pela própria natureza irrespondível das questões que ele posiciona para si mesmo. Quem é RM, afinal? Quão de si mesmo ele pode ser, agora que não é “só” o líder de um grupo? Nem ele sabe a resposta, mas o seu filme tem alguma potência quando interroga e quando retrata a angústia de não saber.
É verdade que Right People, Wrong Place é, também - por sua própria natureza -, um filme incompleto. RM, diretor e colaboradores musicais oferecem no máximo uma peça do quebra-cabeças, uma ideia que flutua no ar de maneira frustrantemente enigmática. A busca pela identidade não começa e nem termina aqui, e o filme mesmo parece não estar tão interessado em segui-la adiante, ver para onde esse caminho leva. Entre sessões de estúdio e photoshoots, desabafos no estacionamento de uma cabana afastada e pequenas férias no campo, aparece aqui também uma insistência (de câmera e de montagem, na seleção de falas usadas no filme) em divagar por tangentes que não levam a lugar nenhum, que não nos ajudam a entender ou vislumbrar nada.
Talvez a falta de foco seja todo o ponto, é claro, mas ela não deixa de resultar em um documentário muito menos penetrante do que poderia ser.
Ano: 2024
País: Coreia do Sul
Duração: 80 min
Direção: Lee Seokjun