Ron e Barney deitados na grama em Ron Bugado

Créditos da imagem: Ron Bugado/20th Century Studios/Reprodução

Filmes

Crítica

Deliciosamente bobo, Ron Bugado surpreende com retrato honesto da solidão

Com a pandemia de plano de fundo, história de amizade entre menino excluído e robô com defeito reverbera intensamente a nossa realidade mediada pelas telas

21.10.2021, às 15H10.

Não fosse a pandemia, talvez a premissa de Ron Bugado soasse menos significativa. Há pouco mais de um ano e meio, a vida já era mediada por telas e a solidão era uma sombra em alguma medida familiar, é verdade. Mas com as limitações exigidas pelo caos sanitário global, entre as quais o isolamento e o distanciamento social, a maneira como o jovem Barney (dublado, no original, por Jack Dylan Grazer) coloca todas as suas esperanças para criar laços em um aparelho eletrônico ganhou contornos intensamente reais. Assim, a nova animação da 20th Century Studios -- e a estreia do estúdio de animação Locksmith --, à primeira vista bastante comum, larga deixando para trás o estigma de ser apenas mais uma história sobre um garoto excluído, vítima de bullying. Concluído o filme, porém, fica a certeza de que não foi só a pandemia que amplificou os temas da produção: Ron Bugado, como uma animação voltada ao público infantil, é deliciosamente boba, mas nem por isso poupa os pequenos de alguns dos riscos e perigos bem realistas da vida.

O equilíbrio entre o humor e uma discussão universal e complexa é uma constante nas grandes animações, e não é de hoje -- a Pixar que o diga. Mas é interessante notar que, em Ron Bugado, os dilemas de seu jovem protagonista não estão envelopados por uma fantasia ou uma engrenagem muito criativa para dar sentido à vida; na realidade, são bem diretos ao ponto. Embora não sejam uma realidade, amigos robóticos como Ron (Zach Galifianakis), também conhecidos como b-bots, estão longe de ser um exercício imaginativo mirabolante ou intrincado. São, no máximo, um próximo passo para um mundo que vê com normalidade o uso de inteligências artificiais em celulares, quando não em eletrodomésticos ou como um acessório da casa. Se é assim com a parte tecnológica da coisa, que dirá com o emocional? A falta de traquejo social do garoto, assim como seu isolamento por ser o único a não ter o objeto da moda são muito reconhecíveis. Logo, há na animação uma âncora mais imediata na vida como a gente a conhece, e isso torna algumas situações muito palpáveis -- para as crianças e para seus pais.

Da mesma maneira com que se reconhece a grande corporação do Vale do Silício ficcional do filme, suas lojas-culto e todo o debate sobre a hipervigilância, entende-se também a dor do pai, Graham Pudowski (Ed Helms), que com dinheiro curto não é capaz de dar para o filho um robô novinho em folha. Graham consegue, no máximo, um com erro de fábrica e, ainda por cima, comprado na surdina. É nesta contravenção bem intencionada que Barney ganha seu amigo eletrônico Ron. Mas, como adianta o título, ele não é exatamente o que o protagonista esperava.

Para começar, o b-bot só conhece nomes com A e encasqueta que o menino chama Ambrósio. Além disso, ele não se conecta de jeito nenhum ao Wi-Fi e, portanto, não cumpre o propósito de criar pontes com seus colegas, e sequer dá para personalizá-lo como o Darth Vader ou com as cores da Capitã Marvel. Seu defeito, é claro, tem as suas vantagens, a exemplo da ausência do controle parental, mas em última instância é a materialização de que o próprio Barney e suas peculiaridades têm seu valor.

Para além desta conclusão -- bastante óbvia e esperada, considerando a premissa --, ao colocar Barney para tentar consertar Ron e ensiná-lo como um bom b-bot age, a animação expõe o ridículo das interações virtuais. Afinal, para o raciocínio imediato de Ron, convites de amizade são literalmente convites de amizade, ou seja, distribuir pedaços de papel pedindo para que estranhos sejam amigos do Barney -- e é assim que ele reúne uma idosa, um motoqueiro e um bebê para passar o recreio com seu amigo de carne e osso. Dar likes, por sua vez, é colar no rosto de pessoas e robôs post-its com joinhas desenhados. Essas pequenas situações cômicas, mais que trazer leveza, dão corpo à ideia central do que significa ser amigo de alguém. Isso porque, para ensinar Ron, Barney tem que ele mesmo aprender como funcionam essas relações, enfatizando o quanto a amizade tem um papel importante não só na vida e autoestima daquelas crianças, mas nos espectadores do outro lado da tela.

Ainda que tenha um nível consideravelmente constante nas suas doses de realismo, o equilíbrio entre o infantil e o sério se mantém somente até o terceiro ato do filme, quando o lado aventureiro da história se sobrepõe. Nesse sentido, a solução do conflito não poderia ser mais confortável, e aqui o filme perde parte da sua força. Mas, diante de personagens carismáticos como Ron e sobretudo a avó de Barney Donka (Olivia Colman), cujos comentários são divertidíssimos, é evidente que Ron Bugado supera as expectativas e marca uma sólida estreia para a Locksmith.

Nota do Crítico
Bom
Ron Bugado
Ron's Gone Wrong
Ron Bugado
Ron's Gone Wrong

Ano: 2021

País: Estados Unidos, Reino Unidos e Canadá

Duração: 106 min

Direção: Sarah Smith, Octavio E. Rodriguez, Jean-Philippe Vine

Roteiro: Peter Baynham, Sarah Smith

Elenco: Olivia Colman, Jack Dylan Grazer, Zach Galifianakis, Ed Helms

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