Sala dos Professores é mais efetivo quando troca a crítica social pelo terror

Créditos da imagem: Sony/Divulgação

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Crítica

Sala dos Professores é mais efetivo quando troca a crítica social pelo terror

Inspiração polanskiana tira o longa indicado ao Oscar do seu lugar comum discursivo

Omelete
4 min de leitura
19.07.2024, às 14H21.

Os alemães estão preocupados com o futuro. A sala de aula se torna ao mesmo tempo laboratório e microcosmo das tensões étnicas que marcam o movimento migratório no país, e documentários como Sr. Bachmann e seus Alunos (2021) fazem uma análise muito precisa, e ao mesmo tempo emocional, das perspectivas e dos desafios que essas tensões legam às próximas gerações e a toda a nossa noção de tradição, civilidade e progressismo.

Botar crianças no mundo parece especialmente difícil neste quarto de século XXI, então não falta espaço para reflexão e pontos de vista diferentes. Representante alemão no Oscar 2024, A Sala dos Professores tenta esboçar o problema como um suspense de premissa moralmente carregada, parecida com aquela de A Caça, longa dinamarquês também validado por uma indicação ao Oscar.

Na trama, acompanhamos Carla (Leonie Benesch), professora recém-chegada a uma escola onde pequenos furtos se tornam um dilema, uma vez que a política de tolerância zero do colégio leva a uma investigação interna que desestabiliza crianças e o corpo docente. Carla tenta resolver as coisas por conta própria e grava um flagrante, que ao invés de resolver o problema acaba colocando pais, alunos e professores contra ela. 

A falta de nuances com que a situação se estabelece de início, com relações de causa e efeito imediatas que rapidamente tipificam crianças e adultos entre vítimas e algozes, não oferece o melhor dos auspícios. Como em A Caça, o conto moral pode descambar para as facilidades do moralismo à medida em que toda a complexidade da situação converge para a questão única do assassinato de reputação. Se uma eventual comparação com Sr. Bachmann já colocava de largada A Sala dos Professores em difícil desvantagem, a aproximação com A Caça piora o prospecto. 

Se o diretor Ilker Çatak não consegue escapar dessa sinuca por completo, ele pelo menos recorre a espertos ângulos para envolver o espectador nessa perspectiva estreita que o filme está propondo. A principal solução é tratar a problemática pedagógica e moral como uma situação francamente em colapso: botar e criar crianças no mundo hoje em dia é realmente uma enorme temeridade e só resta aos adultos desavisados reconhecer sua derrota nessa empreitada. Pobres dos professores que, por vocação, a escolhem como sustento.

Claro que há uma misantropia implícita nisso tudo, mas A Sala dos Professores não a trata como se fosse uma revelação ou uma grande sacada, como fazem os europeus cuja misantropia é celebrada no circuito de premiações e festivais, de Ruben Östlund a Yorgos Lanthimos. O que Çatak faz é mais modesto e metódico: pegar essa situação complexa, formulada como suspense policial, e aos poucos adereçá-la com códigos mais próximos do thriller psicológico e do terror de paranoia, dois subgêneros em que a misantropia se legitima como válvula de escape.  

Aos poucos, então, a professora Carla se converte em oferenda numa fogueira típica do cinema de horror, mas que queima sem sentir, uma vez que o filme nunca se recusa a alimentar a personagem com um falso sentimento de agência diante dos obstáculos que ela enfrenta. Esse filme de terror mascarado como crítica social foda traz consigo elementos óbvios do gênero - a cacofonia e os sobressaltos na trilha sonora, a confusão mental de se sentir vigiada quando a câmera busca para onde olhar, a licença fantástica da cena em que todos aparecem com a mesma blusa no corredor - mas eles funcionam em sintonia. Nesse sentido, A Sala dos Professores se aproxima da escola polanskiana de suspense, em que o realismo se fixa mesmo quando permite se escorar no fantástico. 

A claustrofobia e a desordem de sentidos se completa com um recurso que é, ao mesmo tempo, muito simples e muito assombroso: tratar os alunos como o elemento central do imponderável, como se fossem crianças não num tratado alemão sobre pactos civilizacionais e sim aquelas crianças de pesadelo, vivas ou mortas, que aparecem e desaparecem, correm e berram nos filmes de terror. Cenas como a aula de educação física em que os adolescentes saem para fumar se convertem em momentos plenos de potencial de horror, uma vez que Carla já se apresenta a nós como alvo dos caprichos de uma maldição.

Quando aproveita essas oportunidades de jogar com o imprevisível para aplicar reviravoltas sobre a protagonista e o espectador, A Sala dos Professores está no seu melhor. O desfecho apaziguador e aberto de colocar os dois personagens principais cara a cara em dois planos frontais de close-up (e assim dizer que a questão pedagógica não pode ser resolvida de forma algorítmica como um cubo mágico) é só uma concessão ao bom tom. Bem melhor é a cena seguinte, com o menino carregado em câmera lenta como se fosse, mesmo, um terrível espectro no ar.

Pensando agora, não é por acaso que tantos filmes e games de terror têm cenas com escolas assombradas, com suas salas de aula vazias, cadeiras viradas, quadros negros empoeirados.

Nota do Crítico
Ótimo
Sala dos Professores
Das Lehrerzimmer
Sala dos Professores
Das Lehrerzimmer

Ano: 2023

País: Alemanha

Classificação: 12 anos

Duração: 98 min

Direção: Ilker Çatak

Roteiro: Johannes Duncker, Ilker Çatak

Elenco: Leonie Benesch

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