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Crítica

Shazam! 2 é típica Sessão da Tarde familiar - para o bem e para o mal

Fúria dos Deuses segue tom divertido do primeiro filme, mas não escapa da obviedade

Omelete
5 min de leitura
Nico
23.08.2024, às 10H00.

Por mais que a DC já viesse se despedindo da sua fama de “sombria e realista” desde Aquaman, foi Shazam! que rompeu de vez com a atmosfera pseudomadura criada em torno do selo ao longo das últimas duas décadas. Talvez o primeiro filme-família de destaque na casa desde Superman: O Retorno, o longa de David F. Sandberg marcou o início do retorno a um retrato mais inocente e espirituoso do heroísmo que James Gunn e Peter Safran vêm prometendo para o novo DCU. Sua sequência, Shazam! Fúria dos Deuses, mantém esse tom leve e divertido de seu predecessor com uma produção que, apesar de divertida, talvez seja uma das mais desequilibradas do em-breve-aposentado-DCEU.

Ironicamente, fúria é justamente o que menos aparece na continuação. Embora a sequência, também comandada por Sandberg, mantenha a comédia afiada do longa original, a forma como ela desenvolve suas principais ameaças é precária. Mesmo que sejam interpretadas por atrizes de presença, como Helen Mirren e Lucy Liu, as vilãs são terrivelmente mal construídas, tanto pelo texto excessivamente caricato de Henry Gayden e Chris Morgan, quanto pela atuação truncada das duas veteranas, claramente desconfortáveis com seus pesados figurinos e diálogos rebuscados.

A ação de Fúria dos Deuses também deixa muito a desejar. Genéricas e repetitivas, as sequências de luta nunca realmente empolgam. Mesmo contando com heróis mágicos e criaturas fascinantes como mantícoras, ciclopes e um dragão de madeira, o longa nem arranha seu potencial criativo, preferindo trocar o que poderiam ser cenas cheias de adrenalina por uma porradaria de CGI genérica.

A trama da continuação também é incomodamente óbvia. Ainda que siga o ritmo ágil do primeiro filme, o fato de A Fúria dos Deuses telegrafar cada uma de suas reviravoltas em seus primeiros minutos alonga as mais de duas horas da produção, que se enrola por caminhos desnecessários antes de chegar ao seu previsível destino.

Embora nunca tenha se vendido como algo mais do que uma sessão pipoca para toda a família, Fúria dos Deuses abusa desse status descompromissado, resolvendo quase todas as ameaças que apresenta com piadas soltas. Essa questão é especialmente problemática no terceiro ato, quando os heróis ganham vantagem sobre os adversários graças a um merchan disfarçado de deus ex machina.

Principal estrela de Fúria dos Deuses, Zachary Levi se torna a personificação de tudo o que está errado na sequência. Assim como Sandberg e companhia elevam a sátira e o humor a níveis exorbitantes, o ator mergulha de cabeça em uma imaturidade juvenil que não condiz mais com a versão jovem de Billy. Ao invés de acompanhar o crescimento do personagem, que beira os 18 anos e começa a se preocupar com sua família, o Mortal Mais Poderoso da Terra age mais como um pré-adolescente, passando a impressão de que Batson e Shazam são dois personagens completamente diferentes.

O filme também sofre com um aparente cabo de guerra entre produtores e cineastas. Além do final que força uma conexão desnecessária ao DCEU, Fúria dos Deuses também ensaia alguns desenvolvimentos que nunca se concretizam, especialmente com Mary. A personagem de Grace Caroline Currey é trabalhada por Sandberg, Gayden e Morgan como uma vice-líder e eventual substituta de Billy (papel que ela atualmente tem nos gibis), mas esse arco é completamente abandonado no terceiro ato em prol do status quo da franquia.

Apesar de tudo isso, é difícil não se render ao carisma da Família Shazam. Mesmo que Billy (Asher Angel), Freddy (Jack Dylan Grazer) e Mary ainda sejam o foco principal do roteiro, Darla (Faithe Herman), Eugene (Ian Chen) e Pedro (Joven Armand) ganham um pouco mais de espaço na sequência. Com problemas mais palpáveis que os de semideuses ou bilionários, os protagonistas de Fúria dos Deuses se conectam com maior facilidade ao público alvo, que compreende facilmente a razão da imaturidade com que eles lidam com suas vidas duplas ser o foco tanto do drama quanto da comédia.

Mais uma vez, Grazer se sobressai – e muito – ao viver o espirituoso Freddy. Um dos poucos personagens realmente beneficiados pelo roteiro, a versão adolescente de Shazam Jr. enche suas cenas de carisma, ajudando inclusive Djimon Hounsou e Rachel Zegler a conquistarem a simpatia do público com maior facilidade. Transformando diálogos expositivos e até desnecessários em tiradas hilárias, o ator impede que Fúria dos Deuses se perca na própria bobeira.

Fúria dos Deuses também dá aos seus personagens um arco menos repetitivo que outras produções focadas em jovens heróis. Se Jon Watts demorou três filmes para fazer Peter Parker entender o que era ser o Homem-Aranha, Sandberg tira essa pedra do caminho para focar nos traumas de Billy e em como o abandono de sua mãe no filme original afeta sua relação com seus pais adotivos. Por mais que a temática familiar já estivesse presente no primeiro Shazam!, ela ganha uma camada emocional importantíssima em sua sequência, de modo que os acontecimentos do terceiro ato tenham um peso real apesar de sua previsibilidade.

Usando Billy para levantar questões típicas de um público-alvo que já não é mais criança, mas ainda não pode se dizer adulto, Fúria dos Deuses faz um trabalho até melhor que seu predecessor em criar uma identificação no espectador. Com uma conexão emocional eficaz, a sequência entrega relações realistas de amizade e fraternidade, deixando o já cansativo debate sobre o significado do heroísmo de lado para dar continuidade a história de amor e pertencimento iniciada no filme original.

Shazam! Fúria dos Deuses ensaia recriar o charme de Sessão da Tarde que encantou fãs em 2019, mas a obviedade de sua trama o impede de alcançar os mesmos altos de seu predecessor. Felizmente, o bom trabalho do elenco e a carga emocional do arco de Billy tornam essa sequência boa o bastante para que suas falhas sejam facilmente relevadas por quem busca apenas por um dia divertido no cinema.

Nota do Crítico
Bom
Shazam! Fúria dos Deuses
Shazam! Fury of the Gods
Shazam! Fúria dos Deuses
Shazam! Fury of the Gods

Ano: 2022

País: Estados Unidos

Classificação: 12 anos

Duração: 130 min

Direção: David F. Sandberg

Roteiro: Chris Morgan, Henry Gayden

Elenco: Rachel Zegler, Helen Mirren, Lucy Liu, Grace Fulton, Zachary Levi

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