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Crítica

De Canção em Canção | Crítica

Terrence Malick volta aos triângulos amorosos em mais um filme que busca os signos do século 21

19.07.2017, às 18H13.
Atualizada em 19.07.2017, ÀS 19H00

Desde que tornou sua produção mais prolífica nos anos 2010 a partir de A Árvore da Vida, o ex-bissexto Terrence Malick trocou os filmes de época pelos olhares sobre o mundo contemporâneo, e consequentemente uma coisa se confunde com a outra: Malick faz filmes hoje com mais frequência porque ele passou a se interessar mais pelas imagens que o cercam do que pela mitologia americana de antes? Ou foram esses mitos que para ele se transformaram em algo novo e talvez definitivo?

Embora alguns temas se repitam desde o seu começo de carreira - em especial, os vaivéns de triângulos amorosos, que estão no centro de seu novo longa, De Canção em Canção (Song to Song, 2017) - o Malick de hoje é visivelmente um cineasta interessado em encontrar os signos do século 21. Essa busca passa pela regressão, por imagens de uma memória coletiva americana, nas casas de subúrbio com seus quintais arborizados, no casting feito todo com crianças e jovens brancos como leite, e termina em espaços esvaziados da vida adulta, as mansões brancas e cinzas de arquitetura modernista que Malick tanto filma hoje, sempre atento para claraboias que toquem o céu e assim possam aproximar essas casas-templos de uma ideia de religiosidade.

Seguindo essa descrição, De Canção em Canção não difere muito de A Árvore da Vida, nem de Cavaleiro de Copas, drama que Malick rodou em paralelo a De Canção em Canção (antes de definir o que seriam e montar cada um desses filmes), com quem forma um díptico de colagens. Em Michael Fassbender, o cineasta encontra um protagonista com perfil semelhante ao de Sean Penn, capaz de resumir num semblante o desespero de duvidar de tudo, embora vivencie tudo com intensidade. Ter um ator magnetizante em cena é essencial para esses filmes, porque o movimento de chicote que a câmera de Emmanuel Lubezki faz o tempo inteiro, emulando justamente esse jogo de pólos de atração e repulsa, carece de uma presença carismática que sustente o vaivém.

Que os outros dois pontos do triângulo, Rooney Mara e Ryan Gosling, não sejam tão sólidos quanto Fassbender até ajuda a trama (ele faz um produtor musical que já viveu de tudo, enlouquecido por essa bagagem, enquanto Mara e Gosling cumprem o arco malickiano do amor puro e do fim da inocência) mas não ajuda na empatia nem faz de De Canção em Canção um filme melhor. Da mesma forma, a busca do cineasta por uma transcendência no improviso se sufoca aqui pela tentativa ostensiva de fabricar esses momentos. Malick sempre gostou da imagem da fumaça e da poeira, por exemplo, para ele é uma coisa das mais evocativas, mas ver Ryan Gosling chutando terra e brincando com Rooney Mara nesses figurinos perfeitos da Austin mais hipster não ajuda muito na procura por uma espontaneidade sublime.

Diante das repetições nesses filmes recentes e o uso desgastado dos mesmos recursos visuais é muito fácil reduzir De Canção em Canção à mecanicidade com que Malick se aproxima do que filma, mas é inegável o charme de criar uma dramaturgia sobre jogos de poder entre homens e mulheres a partir de registros aparentemente desinteressados. O trio protagonista parece despojado de intenções quando brinca diante da câmera, mas aos poucos surgem daí laços de dependência; personagens se amarram, se seguram, o cara ameaça se jogar e a menina segura, um se posiciona aos pés do outro e depois se invertem. Há muito de teatral nesse jogo, mas do acúmulo e da persistência Malick, tira, ao menos, uma jornada pessoal, e não dá pra dizer que De Canção em Canção é aleatório ou inconsequente. Na verdade, dessa encenação surge um dos seus filmes mais lineares e consequentes.

A questão é se isso basta. Temos aqui um cineasta que por anos, folcloricamente, representou o máximo do que imaginamos de uma persona artística, seja no ostracismo público digno de Pynchon que adotou por anos, seja no anedotário que acompanha seus processos de filmagem, as dezenas de atores que aceitam trabalhar para Malick sem saber se aparecerão nos filmes. Assim como os filmes que o precederam, De Canção em Canção é feito de narrações em off cheias de indagações sobre o sentido do mundo e da vida - Malick responde à altura, nessa hora, a toda a expectativa que temos dele como artista capaz de questionar as coisas - mas as soluções que ele acha ainda nos satisfazem? É também de insatisfação, afinal e acima de tudo, que seus filmes tratam.

Nota do Crítico
Regular
De Canção em Canção
Song To Song
De Canção em Canção
Song To Song

Ano: 2017

País: EUA

Duração: 129 min

Direção: Terrence Malick

Roteiro: Terrence Malick

Elenco: Ryan Gosling, Michael Fassbender, Natalie Portman, Cate Blanchett, Rooney Mara, Val Kilmer

Onde assistir:
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