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Dizem que a maneira certa de curar um trauma é através de muita conversa e debate. Assim sendo, cineastas tupiniquins parecem decididos a sarar as feridas profundas que a ditadura militar inferiu ao povo brasileiro. Todo ano pelo menos dois longas-metragens chegam ao circuito abordando o tema. Isso sem contar os documentários. Uma obsessão muito parecida com que os norte-americanos têm com a guerra do Vietnã. Sonhos e desejos (2006) é a bola da vez, num ano em que já tivemos Araguaia e Zuzu Angel.
Na década de 70, Cristiana, uma jovem estudante, Saulo, um professor de literatura, e um guerrilheiro ferido que está sempre com o rosto coberto estão confinados em um "aparelho" em Belo Horizonte. Lá, eles confrontam suas opções afetivas e políticas, que envolvem lealdade, traição e desejo. O filme até que começa bem. Com uma montagem interessante em que mistura créditos, imagens de arquivo e cenas dos personagens da história. Fica a impressão que os recursos técnicos utilizados vão servir a uma narrativa de ritmo ágil e concisa. Cenas com uma tonalidade opaca nas ruas contrastam com as coloridas feitas de dentro do apartamento. Infelizmente fica só nisso. Aos poucos, um tédio pueril vai se impregnando. É de se imaginar quais eram as verdadeiras intenções dos realizadores.
Para piorar, as situações são constrangedoras e os diálogos risíveis. Principalmente as cenas envolvendo a desconfiança de Saulo com uma possível infidelidade de Cristiana com o companheiro ferido. Os personagens são extremamente estereotipados. Isso fica evidente no relacionamento entre Cristiana e Saulo: a aluna apaixonada pelo professor com o dom da oratória. No papel de Cristiana, Mel Lisboa não consegue transmitir nenhuma credibilidade como uma jovem idealista. Como agitadora chega a ser uma ofensa aos jovens que morreram durante os anos de chumbo. Ela só funciona quando assume seu lado erótico, porém, sem novidades para quem a viu na série global Presença de Anita. Ainda assim, ela ganhou o Kikito de Melhor Atriz em Gramado desse ano. O filme levou também o prêmio de direção de arte como brinde, provando de vez que o festival, outrora relevante, se tornou uma passarela de famosos e globais.
Sérgio Marone, no papel do revolucionário ferido, consegue ser mais pífio ainda. É difícil acreditar num guerrilheiro bailarino que se inspira em Nijinsky e ensaia seus pliés diante da sua amada, trancado num aparelho, encapuzado para não ser reconhecido. O único que funciona em alguns momentos é Felipe Camargo, que vem mostrando uma qualidade não conhecida em seus áureos tempos de galã. Mas nem mesmo ele consegue escapar de cenas lamentáveis. Principalmente na seqüência de choro/gozo (?!?!) no banheiro, depois de uma revelação.
Cinéfilos perceberão certas semelhanças com Cabra-Cega, produção lançada ano passado e que mostrava o relacionamento de duas pessoas também trancadas em um apartamento durante a mesma ditadura militar. Outra influência é Plata Quemada. Neste filme argentino, três assaltantes ficam trancados em um apartamento sem saber o que acontece lá fora. A situação rende diálogos interessantes, que remetem a uma loucura pela solidão que se cria.
Marcelo Santiago, que estréia como diretor, não conseguiu acrescentar nada de novo à fórmula. Apesar de mostrar apuro técnico, o filme é dramaturgicamente paupérrimo. A surpresa só não é maior quando se olha a lista das pessoas envolvidas, que inclui o produtor artístico Fábio Barreto, e Lucy e Luís Carlos Barreto na produção executiva. O trio é responsável por gigantescos fracassos recentes de crítica, como Belladona e A Paixão de Jacobina. Foi de Fábio Barreto a sugestão de utilizar o nome Sonhos e desejos no lugar de Balé da Utopia, romance do jornalista Álvaro Caldas que inspirou o longa. Fábio julgava ser muito cerebral o título original. Com essa premissa, fica fácil entender as escolhas catastróficas por parte dos realizadores.
Sonhos e Desejos
Sonhos e Desejos
Ano: 2006
Lançamento: 10.11.2006
Gênero: Drama
País: Brasil
Classificação: 16 anos
Duração: 93 min
Direção: Marcelo Santiago
Elenco: Ricardo Pereira , Felipe Camargo , Mel Lisboa , Marco Ricca , Sérgio Marone
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