O que faz Lionel Worthing especial é sua capacidade de ver sons. Nascido na virada do século XIX para o século XX, filho de fazendeiros no Kentucky (EUA) e de disposição tímida, o menino cresceu conseguindo atribuir cores, cheiros e formas às melodias ao seu redor, e ficou chocado quando descobriu que nem todos tinham essa capacidade. De certa forma, Oliver Hermanus vê The History of Sound como um filme sobre como esse jovem, vivido na fase adulta por Paul Mescal, encontrou alguém para ajudá-lo a tirar essas ideias da imaginação e colocá-las na realidade.
Este alguém é David White (Josh O’Connor), um professor de composições que rapidamente se revela como o complemento ideal, em muitos sentidos, para o cantor Lionel. Encenado com rigor (talvez até demais), esse romance gay explora a paixão dos dois, interrompida no meio pela 1ª Guerra Mundial e depois pela distância dos oceanos, mas funciona acima de tudo como um registro da música folk ainda em suas raízes. Os músicos se conhecem no conservatório, onde rapidamente descobrem um interesse intelectual e físico um no outro, mas é só depois que David é recrutado e retorna de seu serviço militar na Europa que o relacionamento deles toma rumos mais intensos.
Estes encontros, tipicamente, acontecem em meio a florestas, lagos e estradas. Ao menos uma vez por ano, David anda pelos Estados Unidos para, como ele mesmo diz, colecionar músicas. Usando gravadores de argila da época e anotando as letras pela mão, ele mantém vivas tradições e canções que vivem pelo boca a boca do povo, e que correm o risco de serem perdidas se ninguém tomar o cuidado de preservá-las. Não é à toa que Lionel logo se interessa pela prática. Ver as impressões do som naquele equipamento rudimentar é como encontrar, finalmente, uma forma de compartilhar com os outros o que acontece em sua mente quando escuta algo.
Trata-se de um gancho emocionante para The History of Sound, que nunca está mais vivo do que quando faz os dois amantes cruzarem o caminho de pessoas aleatórias enquanto continuam sua jornada. Ouvindo uma família pobre entoar um hino em uníssono; testemunhando a fé de um pai e filha pretos prestes a serem massacrados por uma polícia racista; se juntando a eles num coral de resistência e paixão. A direção profundamente contida e reservada de Hermanus filma tudo isso sem muitas emoções, preferindo deixar as vozes falarem por si mesmas – literalmente. Como resultado, cada encontro ganha um valor artístico maior. The History of Sound não eleva seu volume muitas vezes, mas quando o faz, há sempre alguém cantando.
Por outro lado, as cenas que envolvem beijos, conversas e olhares parecem ter apenas uma nota. De olhar estéril, Hermanus até consegue compor um quadro interessante, mas sofre para preenchê-lo com calor. Esse problema é agravado na segunda metade de The History of Sound, quando Mescal e O’Connor – dois dos melhores atores do momento quando o assunto é o desejo silencioso, para não dizer proibido – se separam, e passamos a acompanhar a carreira de Lionel pela Europa e de volta aos EUA. É como se Hermanus quisesse se desafiar a subverter as expectativas de um público pronto para ver dois namorados da internet se pegando.
Mas seja porque fez uma correção desnecessariamente grande, ou porque não domina a linguagem do querer, o diretor remove de The History of Sound o gancho no qual sua narrativa, particularmente na reta final, pendura todas as suas forças. Prejudicando a situação está o fato de que, quando os personagens se afastam, o foco do filme na música também vai junto. Passamos um longo tempo assistindo a Lionel ansiando por um retorno à arte, e entendemos perfeitamente sua sensação.
A verdade é que o roteiro de Ben Shattuck, aqui adaptando seu próprio conto, é mais eficaz como um texto sobre o valor da arte, em especial no universo físico e tátil, do que como um romance. Se falta ardor erótico, há uma sobra do carinho pela música. Apesar de seu título, porém, The History of Sound não gasta o tempo que precisava na história que o faz cantar.
The History of Sound
Ano: 2025
País: EUA, Reino Unido, Suécia
Duração: 127 min
Direção: Oliver Hermanus
Roteiro: Ben Shattuck
Elenco: Josh O'Connor , Paul Mescal , Hadley Robinson , Chris Cooper
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