Antes de publicar Trash, no final de 2010, Andy Mulligan passou pelas ruas da Índia, Filipinas, Vietnã e Brasil. Ensinou inglês e teatro para crianças pobres e descobriu dignidade e esperança em cenários impensáveis para quem cresceu sob os confortos da classe média. A experiência levou a história de Rafael, Gardo e Rato, três meninos que se veem em meio a enigmas e perseguições depois de encontrar uma carteira no lixão em que trabalham.
Na hora de adaptar o livro, o diretor Stephen Daldry e o roteirista Richard Curtis precisavam situar o suspense em algum dos países que inspiraram Mulligan. Nesse sentido, o Brasil foi uma escolha mais prática do que emocional: tinha os cenários certos e a expertise necessária para rodar um longa de acordo com as normas hollywoodianas de qualidade. Daldry se mudou para o Rio de Janeiro, trabalhou com uma equipe local (a O2 de Fernando Meirelles) e conseguiu a façanha de fazer um filme que é muito mais brasileiro do que gringo.
O longa, porém, não mantém o espírito de aventura do material original. Com tanta corrupção, violência policial e conselhos políticos, falta espaço para os meninos que encontram a esperança no lixo (como promete o subtítulo). O trabalho de Mulligan é importante para literatura infantojuvenil por transformar adolescentes pobres e marginalizados pela sociedade em heróis, mas a adaptação subutiliza essa jornada, transformando seus mistérios em mecanismos para levar a um final politicamente edificante.
A escalação de Rickson Tevez, Eduardo Luis e Gabriel Weinstein, novatos vindos de diversas comunidades do Rio, deveria reforçar o espírito jovem do filme, mas suas atuações parecem deslocadas. É como se algo tivesse se “perdido na tradução” nas conversas entre os garotos, seu diretor e o técnico de elenco Christian Duurvoort. Os três são competentes, capazes de encarar cenas pesadas de tortura e abuso, mas falta a presença e a sensibilidade que poderia dar a Trash um quê de Goonies Tupiniquim. A decisão de manter a estrutura de depoimentos do livro, com os meninos falando diretamente para a câmera, corrobora a sensação de estranhamento.
Essa ausência de entrosamento com o trio talvez explique o excesso de importância de José Angelo, o personagem de Wagner Moura. No livro, ele é um fio condutor, assim como sua carteira, um guia cuja importância se revela conforme os meninos desvendam as pistas. Na adaptação, esse movimento instigante se perde. Mesmo com pouco tempo em cena, José Angelo é o verdadeiro herói, o homem comum que teve coragem de desafiar os políticos corruptos. Já o policial vivido por Selton Mello representa o outro lado, o capacho do poder, que submete sua dignidade por medo de agir. Assim, o que era para ser uma fantasia para crianças, acaba dominada pelos feitos dos homens, bons ou maus. Rafael, Gardo e Rato não são os protagonistas da sua própria história. E, há tantos adultos para amparar ou reprimir os menores, que personagens como os de Rooney Mara e Martin Sheen se tornam apoios de luxo.
Trash - A Esperança Vem do Lixo é uma experiência interessante na sua mistura de culturas e experiências. O roteirista Felipe Braga, por exemplo, parece ter ensinado muito a Curtis, mais acostumado com a linguagem das comédias românticas inglesas, sobre como são e como se comportam os brasileiros. No todo, é um filme sincero, com boas intenções, mas que se perde ao trocar o final catártico da fábula por um discurso político óbvio e petulante, inspirado pelos protestos de 2013. Nós brasileiros, diz Daldry, precisamos agir para mudar a política do nosso país.
Ano: 2014
País: Inglaterra, Brasil
Classificação: LIVRE
Duração: 0 min
Direção: Stephen Daldry
Elenco: Rooney Mara, Martin Sheen, Wagner Moura, Selton Mello, André Ramiro, Jesuíta Barbosa, Daniel Zettel, Stepan Nercessian, Nelson Xavier, Rickson Tevez, Gisele Fróes, José Dumont, Gabriel Weinstein, Maria Eduarda, Eduardo Luis, Gabrielle Weinstein