Twisters entende o apelo do cinema-desastre e sabe lhe devolver integridade

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Crítica

Twisters entende o apelo do cinema-desastre e sabe lhe devolver integridade

Continuação não se acomoda e convida seus personagens a fazer escolhas difíceis

Omelete
4 min de leitura
02.09.2024, às 19H13.

Destruir mais uma vez um cinema com a passagem de um tornado é o melhor aceno que Twisters pode fazer não apenas ao filme de 1996 (que destruía um cinema na cena do drive-in) mas também a todo esse subgênero de filme-catástrofe com vocação para matinê. Como Joe Dante muito bem encapsulou em 1993 em Matinê - Uma Sessão Muito Louca, brincando com o medo do holocausto nuclear na Guerra Fria, o escapismo do desastre encenado é uma ótima forma de remediar na fantasia o horror do desastre real.

Naquela época, a alegoria da destruição da sala de cinema era recorrente nos filmes de Dante e John Landis, como Gremlins e Um Lobisomem Americano em Londres, e obviamente os dinossauros de Steven Spielberg também passariam diante da luz do projetor em uma cena semelhante num dos Jurassic Park originais. Hoje parece que o cinema americano, assolado pela preocupação da sua perda de relevância, não se permitiria mais um chiste assim. Que Twisters não apenas retome a alegoria, como também faça dela todo o clímax do filme, indica que certas ideias resistem ao tempo e às crises.

Se fosse seguir uma fórmula recente, a dos “soft reboots” que transformam os jovens nerds de espectadores em protagonistas em Star Wars ou Jurassic World, então Twisters faria muito mais acenos à geração de 1996 para embalsamá-la num pote de nostalgia e para promover uma suposta superioridade cultural e tecnológica da nova geração. O que o roteiro de Mark L. Smith faz, ao contrário, é olhar o novo com desconfiança: os geeks e suas tralhas começam o filme como os mocinhos e aos poucos Twisters questiona a natureza dos personagens e suas intenções, desdobrando sua trama em torno de zonas cinzas de afetos e moralidades.

Esse olhar desconfiado em relação à inovação - que, em última instância, é uma desconfiança com o próprio marketing que o capitalismo faz de si mesmo - é de certa forma esperado porque afinal Twister nasceu como uma história do escritor Michael Crichton (notoriamente conhecido pela crítica do empreendedorismo voraz de Jurassic Park). O duelo homem vs. natureza de um ponto de vista econômico continua sendo o mote em Twisters - com a agudíssima diferença, agora, de que seria impossível fazer um filme de tornados pós-Katrina sem levar em consideração os impactos sociopolíticos do fim dessas inocências.

Smith reinterpreta Crichton, portanto, à luz de um cinema que busca ser verdadeiro e urgente com o assunto que aborda (na emergência climática a região de Oklahoma será cada vez mais afetada pelos tornados do El Niño), ao mesmo tempo em que tenta oferecer ao público uma experiência familiar de franquia, com o selo da Amblin de Spielberg. Ao invés de tratar Twisters meramente como uma marca sólida e conhecida de filmes-desastres - que teria algo de específico para além de sua atração serem tornados - o longa busca a familiaridade no próprio cinema de massa e suas narrativas consagradas.

Daí que vem não apenas aquele chiste da sala destruída de cinema mas também todo o uso que Twisters faz dos códigos mais tradicionais do melodrama. Por trás do interesse científico que norteia a jornada da protagonista Kate Cooper (Daisy Edgar-Jones) - como bombardear quimicamente os tornados para desarmá-los? - há um dilema de fundo afetivo igualmente urgente, quando ela precisa escolher se formará um par com o homem imoral (o velho amigo marcado pelo ressentimento, interpretado por Anthony Ramos) ou com o homem amoral (o charmoso caubói de espírito livre vivido por Glen Powell). De novo trata-se de encontrar o norte moral numa narrativa ludicamente embalada como escapismo.

O triângulo amoroso sulista que está no centro de Twisters, e justifica o filme, não deve parecer estranho para qualquer pessoa que eventualmente já cruzou com um Nicholas Sparks na vida, esses melodramas que antepõem o tradicional e o moderno na busca por afetos que enformem uma visão do mundo arquetípica e mítica. Kate se revela uma bela heroína de melodrama na medida em que precisa de fato provar sua capacidade de moldar a realidade à sua volta, a partir de suas escolhas e suas ações. Que ela tenha sido tirada do seu emprego em Nova York não apenas pelo seu talento de perseguir tornados mas especialmente - descobrimos depois - pelo sentimento secreto que alguém nutre por ela é ingrediente inconfundível de um grande melodrama moral, e faz da jornada de Kate ainda mais pungente.

No fim, Twisters se mostra capaz não apenas de destruir objetos e cenários com gravidade e consequência, dando a essas imagens o peso que elas merecem ter, mas também de partir sem medo alguns corações nesse caminho. É um filme que intima seus personagens a fazer escolhas difíceis, e que parece inclusive muito corajoso em fazer suas próprias - um bem-vindo objeto à moda antiga numa Hollywood das franquias onde é interditado aos contadores de histórias de fato destruir algo para dar lugar às transformações, seja pelo velho ou pelo novo.

Nota do Crítico
Ótimo
Twisters
Twisters

Ano: 2024

País: EUA

Classificação: 12 anos

Duração: 122 min

Direção: Lee Isaac Chung

Roteiro: Mark L. Smith

Elenco: Glen Powell, Anthony Ramos, Daisy Edgar-Jones

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