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Crítica

Um Estranho no Lago | Crítica

Suspense verdadeiramente hitchcockiano restabelece o sentido do voyeurismo

12.12.2013, às 22H16.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H11

Alfred Hitchcock teria dificuldade de fazer seus suspenses atualmente porque hoje tudo é voyeurismo, e um senso de perigo se perdeu nos nossos tempos, com a banalização do olhar e o fim da privacidade. Diante de um filme como Um Estranho no Lago (L'Inconnu du Lac), porém, talvez o mestre das ameaças e do pudor considerasse que nem tudo está perdido.

um estranho no lago

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A trama se passa em uma única locação, um lago na França onde gays tomam sol e se banham à procura de parceiros. O flerte acontece na beira da água e o matagal atrás do lago permite um mínimo de intimidade para transas rápidas. Franck (Pierre Deladonchamps) não parece temer o contato com estranhos - o que fica dito quando ele conta para um cara que não anda com camisinha. Ao assistir a um assassinato no lago, porém, Franck passa a ver as coisas diferentemente.

Longas do diretor francês Alain Guiraudie, como O Rei da Fuga e este Um Estranho no Lago, partem de premissas policiais para lidar com a criminalização dos gays - um anacronismo que persiste em pleno século 21 - mas sem tornar isso um panfleto. Na verdade, no exercício de fazer de Um Estranho no Lago um suspense pura e simplesmente, Guiraudie consegue tratar do flerte enquanto risco, e do sexo enquanto aventura, sem incorrer em qualquer juízo de valor.

É como um microcosmo do mundo de hoje que o lago primeiro se apresenta, um lugar onde todos se exibem e se observam, bovinamente, sem pudor e sem anonimato. Guiraudie recorre ao crime não só para restabelecer um sentido de voyeurismo mas principalmente de perigo. E como nos melhores suspenses, a ameaça em Um Estranho no Lago é absolutamente física, presente, ainda que não esteja sempre à vista, e daí vem a atração que ela exerce, como um corpo apolínio que sai da água devagar, banhado em contraluz.

Não há clichê mais mal utilizado do que dizer que tal filme é hitchcockiano, mas isso sem dúvida se aplica a Um Estranho no Lago. O cenário de Guiraudie é falsamente plácido como a Bodega Bay de Os Pássaros ou o condomínio de Janela Indiscreta, e a partir do momento em que um crime macula essas paisagens harmônicas elas incorporam a violência - no filme francês, as árvores se agitam violentamente com o vento e até uma correnteza parece afligir o lago.

Filho de fazendeiros, o diretor francês não deve ter passado pela mesma formação católica traumatizante do cineasta britânico, mas, como nos filmes de Hitchcock, o perigo em Um Estranho no Lago vem acompanhado de um senso cristão de moral e culpa, que Guiraudie automaticamente questiona. Quando um detetive interroga Franck sobre o assassinato, não esconde a reprovação: "Como vocês conseguem voltar aqui depois do que aconteceu?". Franck dá uma resposta absolutamente francesa - "não podemos parar de viver" - mas no fundo talvez essa seja mesmo a única resposta possível.

Um Estranho no Lago | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Excelente!
Um Estranho no Lago
L´inconnu Du Lac
Um Estranho no Lago
L´inconnu Du Lac

Ano: 2013

País: França

Classificação: 14 anos

Duração: 100 min

Direção: Alain Guiraudie

Elenco: Pierre de Ladonchamps, Christophe Paou, Patrick d'Assumçao, Jérôme Chappatte, Gilbert Traina, Emmanuel Daumas, Sébastien Badachaoui, Gilles Guérin, François Labarthe

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