Usando estrutura de comédia romântica, mas com o romance em terceiro plano, Uma Manhã Gloriosa (Morning Glory, 2010) explora o subgênero em que o problema da protagonista não é ficar ou não com o homem desejado, mas provar-se capaz de realizar o mesmo trabalho que ele.
Mesmo que não estivesse duas décadas atrasada, a temática é extremamente prejudicada por ideias retrógradas e que beiram o sexismo. Buscando uma "fofura" cativante, como se a própria doçura da atriz não fosse suficiente, a personagem de Rachel McAdams (Sherlock Holmes), produtora executiva que assume um programa falido e precisa levantá-lo, é exagerada: anda de maneira desengonçada e desastrada, como uma idiota inocente buscando seu lugar em um mundo em que não parece caber. Sua marca profissional, além do copo de café em uma mão e o smartphone na outra, é a carinha de chorona, de quem está prestes a desabar em lágrimas quando a coisa aperta. Exatamente o que não se espera de uma produtora executiva no competitivo mercado de trabalho.
Uma Manhã Gloriosa
Uma Manhã Gloriosa
Uma Manhã Gloriosa
Como se não bastasse essa ideia de profissional equivocada, o filme ainda despeja suas opiniões sobre problemas frequentes da comunicação. Há um embate, central à trama, entre a informação como entretenimento e o jornalismo sisudo. A audiência espera o primeiro - e responde aos quadros de animais e vivenciais de situações constrangedoras com entusiasmo. Do outro lado do ringue, o velho jornalista vivido por Harrison Ford luta para manter sua integridade e levar matérias de qualidade a um mundo que não as deseja. Esse embate tem um desfecho vergonhoso, com direito a discurso pró-imbecilização do espectador. Um libelo às "confort news" que engordam o público na frente da TV. A roteirista Aline Brosh McKenna afunda assim qualquer credibilidade que tinha conquistado com O Diabo Veste Prada (em que apenas cuidou da adaptação) e que já havia começado a perder em Vestida Para Casar.
Mas não é só no campo das ideias que Uma Manhã Gloriosa consegue ser ofensivo. O diretor Roger Michell (Vênus) consegue errar também na condução de atores. Não fica claro se Harrison Ford percebeu a besteira que estava cometendo e está sendo ele mesmo (sua fama de ranzinza é alardeada em Hollywood) ou se o jornalista gutural é maniqueísta daquele jeito. A personagem de Diane Keaton (Alguém Tem Que Ceder) também incomoda, especialmente em sua empolgação ao perceber que chegou sua chance de torna-se a Ana Maria Braga da vez, animando a manhã das donas de casa sem expectativa. Completa o pacote uma trilha sonora terrível, meio de conto-de-fadas, que permeia de maneira opressiva a produção.
Ao final, a cena da discussão da relação no apartamento de Patrick Wilson (Watchmen) é a única que apresenta um vislumbre de pessoas de verdade no filme. Pena que o personagem seja mais um na longa lista de erros de algo tão filosoficamente errado. O namorado da protagonista, afinal, tem um emprego melhor que o dela e consegue equilibrar sua vida pessoal e profissional sem problemas, além de - antes de começarem sua relação - encontrar espaço para transar com que bem entendesse. Na visão distorcida de Uma Manhã Gloriosa, o macho passa muito bem, observando as mocinhas tentando brincar de casinha na TV, de trás de seu copão de chopp.
Uma Manhã Gloriosa | Cinemas e horários
Ano: 2010
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 107 min
Direção: Roger Michell
Roteiro: Aline Brosh McKenna
Elenco: Rachel McAdams, Harrison Ford, Patrick Wilson, Jeff Goldblum, Diane Keaton, 50 Cent, Arden Myrin, Noah Bean, Vanessa Aspillaga, Jeff Hiller, Linda Powell, Mike Hydeck, Joseph J. Vargas, David Fonteno, Patti D'Arbanville, Ty Burrell