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Quando foi lançado, muita gente reclamou que A Queda (2004) humanizava a figura de Adolf Hitler. Como assim humanizar? Por acaso Hitler era um marciano? O fato do ator suíço Bruno Ganz oferecer uma interpretação cheia de nuances e o roteiro colocá-lo em situações banais, como demonstrar afeto por um cão, não significa que Hitler está sendo perdoado, pelo contrário, mas escavado, investigado. Não há outro jeito de entrar na cabeça de um personagem senão aproximar-se dele.
Do lado oposto a isso temos Uma mulher contra Hitler (Sophie Scholl - Die letzten tage, 2005), um desfile de estereótipos. Num corner, o mártir sem defeitos ou dúvidas; no outro, o nazista histérico que range os dentes. Tudo no filme de Marc Rothemund bóia na superfície dos tipos caricatos. Há um único objetivo: provar que na Alemanha hitlerista existiam mulheres, sim, que se opunham ao regime - ao contrário da secretária do führer que alega ignorância em um par de outros filmes e dizia não saber de Holocausto algum.
Uma missão do bem, sem dúvida, em busca de corrigir desvios históricos. O nazismo foi mesmo uma coisa abjeta, merece ser atacado. Mas para dar seu recado um filme não precisa panfletar nem colocar heróis em pedestais, onde não podemos alcançá-los.
Sophie Magdalene Scholl (Julia Jentsch, de Edukators) tem ideais inabaláveis. Junto com o irmão Hans (Fabian Hinrichs) integra o movimento Rosa Branca de Munique, no qual datilografa os manifestos enquanto o irmão maquina as ações. Ambos decidem, certa manhã de 1943, alertar toda a faculdade das perdas que o exército alemão desnecessariamente está sofrendo no gelado front oriental contra os russos. Distribuem os panfletos pró-rendição - mas acabam pegos. Protestar é visto como crime de traição e colaboração com o inimigo.
Tudo isso não soma um terço da projeção. A maior parte do filme se ocupa de mostrar a prisão com o irmão, o sofrido interrogatório de Sophie e o julgamento sumário. Este longo, pesaroso e claustrofóbico pedaço da narrativa consegue traduzir bem a aungústia da heroína, como um corredor da morte. Se a idéia é comover o público, tem-se o cenário e o tom ideais. Mas se a idéia é dialética, questionar conceitos, argumentar, então esqueça - a partir daqui o filme se debate como um diálogo do surdo com o mudo.
Linha pra falar com Deus
Não precisaria ser assim, e há um momento em que Uma mulher contra Hitler ameaça se aprofundar nos temas que propõe. É no segundo dia de interrogatório de Sophie pelo comissário Robert Mohr (Gerald Alexander Held), em que ambos travam um duelo de palavras. Ela defende que uma democracia não existe sem liberdade de pesamento. Ele, ex-policial do interior que ganhou uma oportunidade na oficialidade, diz que ela não conseguiria nem estudar se o Partido Nacional Socialista de Hitler não custeasse sua universidade. Inclusive toca no ponto do Tratado de Versalhes (acerto nos anos 20 no qual os países vencedores jogaram em cima da Alemanha dizimada os custos da Primeira Guerra), que sozinho já é controvérsia para um filme inteiro...
É nessa hora em que ambos os lados esboçam uma humanização. Só que Sophie não convence Mohr, nem Mohr convence Sophie, e a discussão termina aí. Depois, com o juiz que condenará Hans e Sophie, gritando animalescamente e vestido como um clown, não há conversa possível.
Cabe à protagonista esperar pelo pior. E ela o faz como todo bom mártir: em silêncio. É curioso perceber nas entrelinhas, então, como Sophie responde ao processo todo não só com a crença no ideal antihitlerista, mas também (mais até, se bobear) com a crença religiosa. São os crucifixos, as rezas, as menções literais, o padre, o comissário Mohr que lava as mãos como um Pilatos... O tempo todo a contra-luz, quando a moça encara o sol, forma um espectro quase divino, uma linha pra falar com Deus. Sophie Scholl é a candidata a Joana DArc germânica.
Vale atentar para o subtítulo alemão, Die letzten tage, que numa tradução grossa quer dizer o derradeiro encontro ou os derradeiros dias. Sophie não só acredita como aguarda fielmente a justiça divina. E vale notar como chega, no último plano, com eufemísticos panfletos, a ajuda celeste que ela tanto pediu. Não são anjos, nem somente papéis. Sabemos que tipo de apoio a força aérea dos aliados, e não a mão de Deus, trouxe para a Alemanha. Em um filme que nega a humanização, as bombas dos homens representam o castigo dos céus.
Uma Mulher Contra Hitler
Sophie Scholl - Die Letzten Tage
Ano: 2005
Gênero: Drama
País: Alemanha
Classificação: 14 anos
Duração: 114 min
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