Vamos combinar: não dá para dizer que a precariedade de Ursinho Pooh: Sangue e Mel é uma surpresa. Feito por menos de US$ 100 mil, quantia irrisória até perto dos orçamentos mais modestos do terror independente, Sangue e Mel é um oferecimento do cineasta Rhys Frake-Waterfield, que já nos trouxe “clássicos” como Firenado (Sharknado, mas com fogo!) e Demonic Christmas Tree (o assassino é uma árvore de Natal!), e que demonstra aqui exatamente o nível de amadorismo técnico que você esperaria dele.
Os momentos de mínima inspiração são raros e espaçados. No primeiro ato do filme, o diretor de fotografia Vince Knight se une ao trabalho de montagem do próprio Frake-Waterfield para comunicar um pulo temporal através do velho truque da câmera estática registrando o cenário primeiro sob a luz do dia, e depois banhado pelo luar. Já lá nos últimos 20 minutos, o uso de um ângulo rebaixado faz o Ursinho Pooh assassino do filme se agigantar diante de um dos humanos azarados que tentam enfrentá-lo na porrada. A altura anormal do vilão tem o efeito de deslocar o filme um pouco do realismo que ele (incompreensivelmente) escolhe como seu tom predominante, aproximando-o ao invés disso do vale da estranheza, que deveria ser o ambiente natural dessa premissa.
Adicione aí duas breves sequências realizadas em uma animação rudimentar genuinamente sinistra, e bom… é só isso mesmo. O restante de Sangue e Mel é uma massa disforme de cenas de morte mal iluminadas, efeitos práticos que Frake-Waterfield não faz ideia de como filmar para maior impacto, truques de sombra baratos que tentam e falham em equalizar os assassinos do filme com outros ícones do horror, e uma combinação bizarramente inepta de câmera lenta e trilha sonora abafada que acompanha todos os momentos climáticos da trama. Mas, como eu disse lá no começo, nada disso é surpresa.
Inesperado - e, por isso, mais lamentável - é perceber que Ursinho Pooh: Sangue e Mel não possui um único fiapo de bom humor, um único bote salva-vidas de autoconsciência no qual o espectador pode se agarrar para sentir que, se está sofrendo 1h20 de incompetência cinematográfica, ao menos é em nome de uma boa piada. Partindo de uma sacada simples e genial (e se o Ursinho Pooh dos livros de A.A. Milne, agora já em domínio público, tivesse se voltado para a violência quando Christopher Robin cresceu e o abandonou?), o longa se embola em múltiplas subtramas desconectadas dessa vocação paródica, que passeiam pelas típicas conotações sexuais do cinema de horror, mas no fim não levam a lugar nenhum.
Sim, Sangue e Mel está cheio de violência contra mulheres, mas essa tendência de escalar vítimas do sexo feminino poderia ser justificada só como adesão aos chavões do gênero se o filme não demonstrasse um pendor bizarramente voyeurístico em seus desvios mais despropositados da trama principal. Seja por incluir uma história de stalker arrepiante como o trauma da protagonista - uma preparação que resulta em pouquíssima recompensa para o espectador - ou por abusar do simbolismo sexual nos esquemas elaborados de tortura idealizados por Pooh e Leitão (vale lembrar que eles são cruzamentos genéticos entre humanos e animais, que escolheram “voltar às suas raízes selvagens” após o abandono de Christopher Robin), há algo em Sangue e Mel que cheira ao saciamento de um desejo perturbado através da lente da câmera, e portanto protegido pelo véu da ficção.
A verdade é que, para justificar a curiosidade mórbida que despertou com sua sinopse e seus materiais promocionais, esta perversão do Ursinho Pooh precisava abraçar com mais entusiasmo o ridículo de sua própria existência. Ao se prender no convencional, o que sobra do filme no subir dos créditos é o aborrecimento agudo causado por sua inadequação técnica e a suspeita sorrateira de que a notoriedade inesperada de Sangue e Mel pode ter dado um pouco demais de poder a quem não deveria possuí-lo.
Ano: 2023
País: Reino Unido
Duração: 84 min
Direção: Rhys Frake-Waterfield
Roteiro: Rhys Frake-Waterfield
Elenco: Chris Cordell, Craig David Dowsett, Maria Taylor, Nikolai Leon