Uma coisa óbvia na teoria mas que espanta quando se materializa na prática: nenhum blockbuster americano hoje está imune a se influenciar pelo sucesso da Marvel e sua fórmula. Isso acontece em Velozes e Furiosos 9. É uma influência que se sente no filme de várias formas. E acontece antes de mais nada porque, assim como no MCU, a franquia Velozes oferece ao longo dos anos o mesmo filme como se fosse novidade - e precisa renovar sempre uma expectativa do público em torno disso.
O MCU fideliza sua base ao oferecer - como os quadrinhos já ensinavam desde sempre - uma continuidade que se promete minimamente amarrada, filme a filme, e parte central do prazer de quem é espectador e fã é justamente ter seu conhecimento acumulado atendido nesse serviço. O que Velozes e Furiosos 9 tem para dar não é muito diferente de um Vingadores Ultimato: uma trama não linear que vai do presente ao passado estabelecendo relações que se convertem em fan service, e que existem em função disso.
Desta vez, vamos ao passado não apenas para conhecer o irmão de Dom (Vin Diesel) que ninguém sabia que existia, interpretado pelo estreante John Cena. Uma correção de continuidade também envolve refazer uma cena de Velozes e Furiosos 6 para permitir o retorno de Sung Kang como Han. Da mesma forma, é preciso conhecer Velozes e Furiosos 3 para entender por completo quem são Sean, Twinkie e Earl, o trio que agora promete tunar Velozes em direção ao espaço sideral.
Ou seja, depois de 20 anos, em que a franquia de rachas e golpes em velocidade se reinventou como um espetáculo de intriga internacional, Velozes e Furiosos começa - como num experimento de laboratório de física - a encolher depois de sua espetacular expansão. Esse encolhimento não acontece na escala da ação (inclusive a escala ainda fica cada vez maior, depois da aventura com submarino no Ártico no oitavo filme), e sim no próprio jeito como Velozes lida consigo mesmo: nas relações dos personagens, a autorreferência virou regra.
Isso pode ser maçante ou recompensador, dependendo de como o espectador se relaciona com a franquia. Ao mesmo tempo em que se desenrola como perseguições definidas por causa e efeito, a trama de Velozes 9 é uma sucessão de encontros, e nessas cenas não há nada, essencialmente, que “acontece”.
Dom e Magdalene Shaw (Helen Mirren) se cruzam em Londres? Rola um diálogo breve de exposição para justificar a cena, mas na prática ela só existe pelo prazer de vê-los juntos. Ou seja, Velozes e Furiosos se torna, em boa medida, uma grande confraternização, como o obrigatório almoço ensolarado que fecha os filmes e sublinha sempre o caráter episódico da franquia.
Para quem entende que o maior fan service não é saber notícias da família de Dom, mas a ação pirotécnica que desafia a física, Velozes 9 sonda novos limites de CGI para a série, e a “marvelização” nesse caso acontece tanto nas cenas de porradaria (Diesel e John Cena se batem como super-heróis, atravessando paredes com socos) quanto nas perseguições, com carros voando e saltando como verdadeiros action figures de borracha.
Como não seria diferente, para que o público aceite o acordo com esses novos patamares do inverossímil é preciso colocar dentro do próprio filme um comentarista externo que acusa a própria inverossimilhança. É aí que entram os personagens de Ludacris e Tyrese Gibson, que além de protagonizarem a melhor cena do filme (Alfonso Cuarón engatinhou em órbita para que Velozes pudesse voar) se prestam a observadores (para não falar no estereótipo de menestrel, do negro irreverente), questionando os limites do filme e esse acúmulo absurdo de situações no qual a franquia se construiu. O desgaste da fórmula se sente dentro de cena.
Não é muito diferente - só para ficar na comparação com o MCU - dos alívios cômicos da Marvel feitos para desarmar a seriedade ou para semear via metalinguagem (já vão quase dez anos que descobrimos que o Agente Coulson colecionava cards do Capitão América) o território da autorreferência e da autoindulgência. O que vamos descobrir, nos filmes que restam no futuro da série, é se nesses últimos movimentos de Velozes a autorreferência será suficiente para continuar prendendo as atenções.
Ano: 2021
País: EUA
Classificação: 14 anos
Duração: 145 min
Direção: Justin Lin
Roteiro: Daniel Casey
Elenco: John Cena, Ludacris, Sung Kang, Tyrese Gibson, Michael Rooker, Nathalie Emmanuel, Kurt Russell, Vin Diesel, Charlize Theron, Michelle Rodriguez, Helen Mirren, Jordana Brewster