Já se forma um consenso na crítica nerd que Venom é um filme que soa anacrônico, pré-Marvel Studios, como se tivesse sido feito no começo dos anos 2000, porque não teria o acabamento que se espera hoje de blockbusters baseados em HQs. A associação com a Marvel é óbvia não só pela hegemonia do estúdio no mercado mas também porque o vilão do Homem-Aranha faz parte desse universo nos quadrinhos. Na minha opinião, porém, essa impressão deriva, antes, do fato de Venom ser visivelmente um produto precário, feito com cartilha de roteiro e CGI de ocasião, e não por uma suposta fatalidade de timing. No mais, esse é um consenso bem condescendente.
Afinal, a própria Marvel comete seus enganos, e eventualmente aprende com eles. No caso de Venom, o projeto todo parece ter a mediocridade como régua, e inclusive é uma régua que segue valendo em Hollywood em 2018 de forma geral: a adaptação segue o cânone do personagem mais a título de fan service do que de autenticidade (a citação ao Globo Diário, principalmente, é jogada e não serve para dar uma substância maior ao jornalista) e todo o desenrolar da trama acontece aos trancos com cenas expositivas. A opção pela ação noturna para mascarar a computação gráfica já não é tão frequente nos filmes do gênero hoje mas também continua sendo uma constante do mercado.
Nos quadrinhos, Venom e Eddie Brock nunca foram um primor de dinâmica shakespeareana, e para funcionar o filme precisaria acertar, primeiro, essa relação entre os dois personagens, já que o triângulo formado com o Homem-Aranha está fora de questão. Tom Hardy oferece uma interpretação marrenta-introvertida que flerta com a pantomima a partir do momento em que começa a simbiose, mas o diretor Ruben Fleischer dilui essa ideia no meio de outras (a simbiose tem um caráter de possessão de filme de horror nos primeiros hospedeiros, depois de pulsão e prazer quando o filme nos habitua com a ideia da simbiose). No filme, essas mudanças de chave não acontecem exatamente como uma progressão e soam mais como casuísmo.
O que vai ficando claro aos poucos - e que demarca bem a precariedade, presente na exposição óbvia e na pobreza dos diálogos - é que os conceitos do filme são negociados momento a momento. As características dos personagens, por exemplo, são condicionadas a necessidades de roteiro: numa virada, quando o simbionte precisa se justificar, ele deixa de ter atributos primais (a fome, a irritabilidade) e passa a ter uma "humanidade" (empatia, autocrítica). No filme, essas características não são reveladas porque supostamente estamos conhecendo mais a fundo o personagem - elas são reveladas porque só existem em função de uma virada na trama. Os personagens de Venom podem ser irritantes, óbvios, apáticos; tudo isso se relevaria com alguma boa vontade, mas é mais difícil se relacionar com eles quando são inconsistentes.
Tom Hardy até faz o que pode, no meio disso tudo. Não é um ator, ademais, que carrega nas costas um filme problemático com seu carisma - pelo contrário. Introvertido como Eddie Brock, Hardy dificulta nossa empatia pelo personagem e nos impele a nos relacionar com ele pela fisicalidade (que já ficava meio demarcada nas matérias do repórter investigativo malhado, que não tem medo de ir a campo). Nessas horas, se a direção não fosse tão pobre, o filme poderia até mesmo operar uma transformação à la Hulk capaz de subverter Eddie Brock à força. Não é por acaso que o ator funcione melhor em filmes como Mad Max - Estrada da Fúria, que entende plenamente o que dá para extrair de Hardy e para isso faz uma escolha pela pantomima de ação muito mais contundente e consistente do que Venom.
Ano: 2018
País: EUA
Classificação: 12 anos
Duração: 1h52 min
Direção: Ruben Fleischer
Roteiro: Will Beall, Scott Rosenberg, Jeff Pinkner, Kelly Marcel
Elenco: Tom Hardy, Michelle Williams, Riz Ahmed