Nos últimos anos, começou a surgir um movimento em resposta ao boom da popularidade de true crime que foi estabelecida na década 2010 através de sucessos como podcast Serial e Making a Murderer, da Netflix. Um dos melhores filmes dos tempos recentes, Red Rooms, é uma denúncia ácida contra quem vive vidrado nas histórias de crime, ou ainda pior; nos criminosos. É um reflexo natural e bem-vindo depois da avalanche que o gênero causou nos cinemas e na TV, mas lá em 2007, Zodíaco já estava à frente da curva.
A obra-prima de David Fincher consegue fazer os dois: o suspense é tão cativante nas descobertas, provas e investigações quanto qualquer outra coisa no gênero, e em paralelo, Fincher encontra em Robert Graysmith um avatar ideal para explorar seus temas de obsessão e perversão. O que acontece quando você se dedica demais a algo tão perturbador quanto um assassino em série? Assim como Graysmith paira sobre Lyndon E. Lafferty, um policial que investigou os assassinatos do Zodíaco no fim dos anos 1960 e escreveu um livro pouco conhecido sobre o assunto (o livro de Graysmith, essencialmente, dominou o mercado), o filme estrelado por Jake Gyllenhaal vem à mente ao assistir Zodiac Killer Project, documentário premiado no Festival de Sundance 2025 que é, curiosamente, sobre um outro documentário: um true crime nunca lançado sobre Lafferty e sua investigação em cima de um único suspeito: George Russell Tucker.
Diretor do inteligente e hilário Zodiac Killer Project, Charlie Shackleton também era responsável pelo filme em questão, um projeto que morreu quando a família de Lafferty decidiu que não liberaria os direitos do livro. Agora, anos depois, Shackleton faz um passo-a-passo bem-humorado e criativo de como teria sido seu true crime enquanto analisa os temas e abordagens mais comuns do gênero e, de quebra, acaba contando toda a história de Lafferty e Tucker, tomando muito cuidado para não infringir os direitos autorais da obra que, um dia, ele quase adaptou.
Zodiac Killer Project é composto, basicamente, de três coisas: há imagens filmadas em película e com alta saturação que mostram as locações escolhidas por Shackleton e seu time para ilustrar os acontecimentos nos quais Lafferty se envolveu, há a narração do próprio diretor, descrevendo não só como ele teria feito o filme mas também admitindo suas opiniões sobre o caso, e sobre true crime, e há o melhor aspecto de todos. Aqui e ali, Shackleton insere um efeito sonoro, um trecho de cena ou algum clichê que é usado e abusado no gênero. De recriações com atores às montagens de abertura, de policiais com os mesmos apelidos, de conclusões abertas a entrevistas chocantes, e assim vai.
Tudo isso transforma Zodiac Killer Project num filme curiosamente engraçado. É refrescante ver alguém abordando true crime com tanta honestidade e tão pouca seriedade. Shackleton jamais banaliza os assassinatos, claro, mas ele humoriza toda a cultura gerada em torno de casos como o Zodíaco, Jeffrey Dahmer, Amanda Knox e outros nomes hoje populares nas bibliotecas dos serviços de streaming. Identificando a si mesmo como uma peça neste quebra-cabeças – tanto por estar, essencialmente, fazendo um true crime, quanto por gostar de assistir a essas produções – ele encontra um equilíbrio milagroso entre crítica, sátira e homenagem. Zodiac Killer Project engaja na encenação da história de Lafferty, um detetive bem-intencionado mas cego à realidade, tentando de todo jeito provar que Tucker, um suspeito rapidamente descartado, é o tão misterioso criminoso. Zodiac Killer Project engaja, também, como algo que ri disso tudo.
É verdade que o filme, eventualmente, se revela como algo com apenas um truque. Depois de um tempo, depois de puxar as cartas da manga, Zodiac Killer Project se aproxima demais de uma tentativa de recriar o outro filme – aquele que nunca foi feito. Aqui e ali, a fala branda e cômica de Shackleton, em especial quando ele é questionado por seu igualmente divertido produtor durante a gravação da narração, desperta em nós uma nova percepção, seja ela cômica ou profunda, sobre a indústria true crime, mas mais tempo é gasto com Lafferty, e como o próprio Shackleton admite, não há muito ali.
Mas ainda que Zodiac Killer Project não seja Zodíaco, este documentário representa um dos mais perspicazes e lúdicos golpes contra o crescimento desenfreado do interesse em mortes violentas, delitos não resolvidos e, especialmente, das dramatizações grotescas disso tudo. Shackleton dá um passo além: sem deixar tudo isso maçante, ele vira a lente não só contra o público viciado no gênero, como também contra quem o alimenta. Sem tirar o seu da reta, assim digamos, o diretor admite: somos todos parte do problema.
Crítica escrita em 31 de janeiro de 2025 como parte da cobertura do Festival de Sundance, onde Zodiac Killer Project ganhou o prêmio de inovação da mostra NEXT.
Ano: 2025
País: EUA, Reino Unido
Duração: 1h32 min