As fábulas usam animais antropomórficos para explorar a psicologia humana, associando características selvagens a comportamentos “civilizados”. Assim, lebres, tartarugas e raposas sempre têm valiosas lições a ensinar. Ideia que foi absorvida naturalmente pela animação, com foco nos clichês que resultaram em coelhos espertos (Pernalonga), patos mal-humorados (Patolino e Donald), gatos preguiçosos (Garfield) e aves malucas (Papa-Léguas e Pica-Pau), por exemplo.
Saudoso desse conceito, que foi perdendo espaço ao longo dos anos, Byron Howard (diretor de Bolt: Supercão e Enrolados), criou Zootopia - Essa Cidade é o Bicho, inspirado por Robin Hood (1973), a versão da Disney para a história clássica estrelada por uma raposa esperta e um vilanesco lobo como Xerife de Nottingham. Dentro da utopia animal do novo filme, mamíferos convivem pacificamente, mas a lógica natural entre predadores e presas ainda não foi completamente superada.
Contexto que serve à história de Judy Hopps, uma coelha fofa do interior que sonha em ser policial, mas não é levada a sério por leões, ursos, rinocerontes e outros gigantes da natureza, considerados mais capazes para o trabalho. Ao se mudar para Zootopia, ela aprende que a cidade grande pode ser civilizada e repleta de oportunidades, mas também está cheia de preconceitos, incluindo os dela mesma. Judy tenta superar a sua intolerância com raposas (predador dos coelhos) desde o seu primeiro encontro com Nick Wilde. Ele, porém, abraçou o papel estabelecido pela sociedade, com golpes espalhados por todos os cantos da cidade.
A relação de Judy e Nick começa a mudar quando a dupla é obrigada a unir forças para resolver um caso, em uma trama que lembra a missão de Nick Nolte e Eddie Murphy em 48 Horas (1982). Há um clima de aventura policial, com dois personagens que se revelam mais complexos do que aparentam ser, o que torna a lição a ser ensinada por Zootopia ainda mais interessante. Dirigido por Howard, Rich Moore e Jared Bush, com bons pitacos de John Lasseter (diretor criativo do Walt Disney Animation Studios), o filme passa “morais” da história simples e antigas - não julgue pelas aparências e acredite em si mesmo - em uma embalagem atualizada. Com referências a cultura pop, piadas inteligentes e um visual cuidadoso, evita padronizar a natureza, explorando todas as oportunidades criadas pela variedade da sua fauna ao respeitar a escala e os ambientes de cada animal.
Além disso, a animação é sincera. Seus protagonistas não estão acima do preconceito. A intolerância existe e precisa ser admitida para ser superada, não mascarada com desculpas, descobrem Judy e Nick ao longo da sua investigação. Fruto de uma nova fase do estúdio Disney, que também evitou transformar Elsa em uma vilã unidimensional, Zootopia serve a uma geração que, por ser mais cínica, não aceita uma fábula de distância professoral. O público precisa fazer parte da história para captar a mensagem, uma missão que o filme cumpre com êxito, sem esquecer a diversão pelo caminho.
Ano: 2015
País: EUA
Classificação: LIVRE
Direção: Byron Howard