Existe uma lenda no cinema europeu de que não há como fazer um festival de filmes no continente sem ter Isabelle Huppert (de Elle) na programação – e a Berlinale alimenta esse mito com seriedade. Todo ano tem um longa-metragem com a atriz parisiense em destaque nas telas alemãs: o escolhido deste ano foi o suspense Eva, do francês Benoît Jacquot (de Adeus, Minha Rainha). A trama investiga a relação entre um dramaturgo (Gaspard Ulliel) e uma femme fatale duas décadas mais velha (e mais sábia) do que ele, a tal Eva (Isabelle), uma garota de programa cujo ar misterioso pode levar o rapaz à ruína. A trama vem de um romance de James Hadley Chase, filmado em 1962 pelo cultuado cineasta Joseph Losey (1909-1984), a quem Jacquot presta homenagem a cada plano de sua nova produção, indicada ao Urso de Ouro.
“Benoît é um cineasta que celebra a imaginação, capaz de filmar almas, para além de corpos. Por isso, não enxergo Eva como uma femme fatale clássica. Ela não é fatal pra mim, pois não faz o que faz propositalmente e sim pelas circunstâncias”, disse Huppert ao Omelete, declarando sua simpatia ao movimento #MeToo, que defende o pleito por maior respeito às mulheres no cinema (e na vida).
Existem muitas semelhanças entre Eva e Michèle, a empresária vivida por Isabelle em Elle, de Paul Verhoeven, sucesso de público e crítica que deu à francesa uma indicação ao Oscar: ambas ocultam uma brutalidade à flor da pele sob o jeitão dominador que ostentam. Na versão de Losey, Eva foi interpretada por Jeanne Moreau (1928-2017).
“O cinema busca o invisível, é uma arte dedicada àquilo que não está na nossa cara”, disse Huppert.
Neste domingo, a Berlinale recebe uma polêmica anunciada de DNA brasileiro: José Padilha exibe pra imprensa amanhã (dia 18) seu olhar sobre o conflito entre Israel e Palestina impresso no thriller 7 Dias em Entebbe. Daniel Brühl (Capitão América: Guerra Civil) e Rosamund Pike (Garota Exemplar) vivem os terroristas alemães que sequestraram um avião tripulado da Air France, saindo de Tel Aviv para Paris em 1976. Há dez anos, o cineasta carioca ganhou o Urso de Ouro na capital alemã com Tropa de Elite, mas, agora, seu novo longa entrou fora de competição. Na disputa pelo Urso de Ouro, a grande aposta deste domingo vem da Itália: Figlia Mia, de Laura Bispuri, com Valeria Golino (Top Gang – Ases Muito Loucos).