Filmes

Entrevista

Fantasporto dá uma prova do cinema sobrenatural português com o longa Aparição

Dirigido por Fernando Vendrell, este é um dos filmes mais esperados do ano na indústria portuguesa

01.03.2018, às 10H47.
Atualizada em 02.03.2018, ÀS 11H00

QG do terror, da ficção científica e de nerdices diversas, o festival de cinema fantástico português Fantasporto, com o prestígio de ser uma espécie de "Cannes do sobrenatural", recebe nesta quinta-feira (1º) um dos filmes mais esperados do ano na cena audiovisual lusa: Aparição, de Fernando Vendrell. O diretor é um prolífico produtor (levantou, por exemplo, o projeto O Grande Kilapy, com Lázaro Ramos), premiado no Festival de Berlim por seu trabalho como cineasta em Fintar o Destino (1998) e O Gotejar da Luz (2002).

Neste novo longa, ele parte da literatura de Vergílio Ferreira (1916-1996) para contar as estranhas situações que se passam com um jovem professor de Latim diante de uma mulher misteriosa.

Na entrevista a seguir, Vendrell lista elementos metafísicos de seu regresso à telona como realizador:

Omelete: O que a literatura de Vergílio Ferreira oferece de base para a narrativa de fantasmagoria do seu novo filme? O que te fascina na prosa dele?
Fernando Vendrell: A primeira motivação foi o seu "desaparecimento" das livrarias, mesmo sendo um dos maiores escritores da língua Portuguesa do séc. XX. Aprecio o vulto: o seu individualismo, a sua inquietude, o seu rigor na linguagem e a sua demanda filosófica. Considero suas obras, seus temas e sua literatura marcantes, ainda modernos. O romance Aparição interessou-me por ser uma obra que marca a transição estética do autor do neorrealismo para o existencialismo. É um livro que inclui no seu contexto uma turbulência (intrínseca ao ato criativo), uma alegoria biográfica do autor que retrata o período em que escreveu o livro nos anos 1950, em Évora, e que projeta nos personagens os seus fantasmas e obsessões. Por isso, considero um documento literário precioso.

Como é a engenharia para se levantar uma produção como Aparição numa indústria audiovisual como a portuguesa?
Tem havido sempre uma certa rejeição à palavra "indústria" na produção de cinema nacional de Portugal, pois parece haver da parte de alguns cineastas um certo "autocomprazimento" no ato amador e artesanal da produção de cinema em Portugal, considerando-a como "mais artística". Entendo essa atitude mas não a subscrevo. Acho que a existência de um setor de cinema dinâmico e inovador, em que o cinema de arte, o ensaio e algumas estratégias comerciais coexistam, deve ser um objetivo comum para o conjunto de artistas e técnicos que operam no cinema nacional. Aparição é o meu novo filme depois de um interregno longo de quase dez anos como diretor de cinema.

O que fez nesse hiato?
Trabalhei bastante como produtor durante esse período. Aparição chega como um filme ambicionado e urgente. Rejeitei as "prisões" e "concessões" inerentes às coproduções, com pesquisas de financiamento, negociações morosas e nem sempre bem-sucedidas. Procurei produzir esta obra cinematográfica apenas com recursos nacionais, pois, durante o processo, senti mesmo que se tratava de uma questão pessoal e quase identitária. Adaptei a rodagem às circunstâncias de produção que dispunha e procurei maximizar o efeito emocional da dramaturgia na realização: filmei um drama íntimo muito perto dos personagens, num universo visual e plástico de uma cidade mediterrânica exótica e espectral – Évora. Uma produção de época só com os financiamentos nacionais do ICA (o Instituto de Cinema e Audiovisual luso) é praticamente impossível. Felizmente, a RTP (canal estatal) adquiriu este filme.

Qual é o lugar do assombro na tradição autoral do cinema português?
Cada diretor é um universo e tem algo seu para dizer através do seu cinema. Aparição é um projeto diverso do meu anterior "ciclo africano", em que o pós-colonialismo e a questão da identidade eram temáticas primordiais. Neste filme, a Vida, a Paixão e a Morte são pontos de partida da narrativa e me debati com algumas emoções extremas. Durante a filmagem, senti emotivamente um legado de diretores portugueses com quem aprendi, trabalhei e convivi.

Iniciado no dia 20, o Fantasporto segue até o domingo (4), reunindo produções de diferentes cantos do mundo, incluindo o brasileiro A Comédia Divina, que será exibido aqui nesta sexta (2), em competição, com a presença do cineasta Toni Venturi para defender a saga do Demônio (Murilo Rosa) à frente de uma igreja protestante. Na quarta-feira (28), a principal atração do evento foi um filme de zumbi de sofisticada narrativa (os enquadramentos esbanjam precisão) vindo do Canadá: Les Affamés (Os Famintos), de Robin Aubert. Nele, uma epidemia de fome crônica por carne humana contagia número considerável de moradores das zonas rurais canadenses, levando aqueles que não foram infectados a se armarem. Daqui a dois dias, o festival recebe reforços hollywoodianos: na noite do dia 2, a atração é Réplica Violenta (Acts of Violence), com Bruce Willis.

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