Filmes

Entrevista

Mia Madre | "Eu só acredito numa representação da vida que consiga mesclar aspectos de doçura com aspectos de dor", diz Nanni Moretti

Filme está no time do Festival do Rio 2015

11.10.2015, às 22H40.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Sensação em Cannes, onde disputou a Palma de Ouro e ganhou o prêmio do Júri Ecumênico, Mia Madre, drama de tintas cômicas do mestre italiano Nanni Moretti, aterrissa este fim de semana na programação do Festival do Rio 2015, já encarado como um dos títulos de maior procura do evento.

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Sua primeira sessão rolou neste domingo, às 19h15m, no Cine Odeon, com repeteco nesta terça-feira (no Cinépolis Lagoon) e nesta quarta (no Estação NET Ipanema), para dar conta de toda a demanda por conta da saga de uma cineasta (Margherita Buy) às voltas com a doença terminal de sua mãe. Em todas as projeções do longa pelo mundo, o americano John Tuturro (da franquia Transformers) assalta o riso da plateia na pele de um ator canastrão cujo jeitão atrapalhado vai confundir ainda mais a vida da protagonista.

Com 43 anos de carreira, o veterano realizador, conhecido por sucessos de crítica como O Quarto do Filho (2001), também atua neste longa. Na entrevista a seguir, concedida ao Omelete lá na Croisette, Moretti fala de suas expectativas frente ao futuro do cinema. Confira:

Em Mia Madre, o senhor transforma a atriz Margherita Buy em um alter ego seu: ela é uma diretora às voltas com a convalescença da mãe, enquanto roda um filme político. O quanto vocês se assemelham? 

NANNI MORETTI: Quando eu escrevi a trama, percebia que havia muito de mim na maneira de o cineasta protagonista ver o mundo e, justamente, por essa proximidade, ele poderia acabar tendo as mesmas fraquezas e fadigas que eu tenho. Não poderia cair nesse risco. Ter uma mulher no papel mudaria tudo, a ponto de me oferecer um distanciamento para poder pensar.

O cuidado seguinte era não deixar que Margherita compusesse uma cineasta parecida comigo. Não queria um Moretti de saias. Queria uma personagem autônoma, com ecos da minha visão de mundo, sobretudo quanto ao ruído maior da arte na Itália. Lá, hoje, vivemos uma cisão entre um cinema que só distrai e um cinema que se pretende maior. Eu creio que no Brasil deve ser assim também.  A gente produz coisas muito fortes. Mas são esforços individuais e não a ação do Estado.    

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Há uma carga emocional em Mia Madre que vai da comicidade à tragédiapela qual o senhor foi ovacionado em Cannes. Mas há um tom político também, como já é sua marca registrada. Qual é a função deste olhar politizado frente ao cinema que se faz hoje no mundo? 

MORETTI: Eu só acredito numa representação da vida que consiga mesclar aspectos de doçura com aspectos de dor, pois o dia a dia se faz de alegrias e tristezas. O que fica de político talvez seja um esforço meu de tentar entender o que sobrou da grande civilização que um dia este país foi, seja nos tempos do Império Romano, seja nos tempos de ápice do nosso cinema pelo mundo, entre os anos 1940e 1970. Tranço aqui diferentes níveis de narrativa: há um contexto de perda, há um filme sendo rodado na trama e há uma cineasta que sonha. Tudo isso caminha junto para que eu possa atacar a realidade por diferentes flancos.   

E o que o senhor espera deste ataque? 

MORETTI: Expressar sentimentos distintos dos meus, dissociados da minha figura pública e da minha militância de esquerda, evitando escorregar pelo esporte nº 1 da Itália, antes até do futebol: o choramingo. Todo mundo no meu país fica lamentando por tudo, chora por tudo, reclama do que existe. Alguém tem que trocar a lamentação pela ação. Eu assumi para mim essa tarefa.

O que foi ter Turturro no set?

MORETTI: Desde a minha estreia, em 1972, eu tento sempre atuar nos meus filmes para estender, ao nível do corpo, o meu corpo, o meu esforço de entender o que se passa no mundo ao meu redor. Por atuar, sei o valor que é ter ao meu lado um ator que também dirige, pois o interesse dele pela encenação é diferenciado. Tururro é um grande diretor, além de ser um intérprete genial. E, para completar, ele tem origem italiana. Perfeito, não?

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