Filmes

Entrevista

"O sertão é o coração de nossa subjetividade", diz diretor de Deserto

Ator paranaense faz sua estreia com diretor em longa que estreia dia 14

13.09.2017, às 12H46.
Atualizada em 13.09.2017, ÀS 15H05

Abandono é a palavra que melhor define o universo em decadência retratado em Deserto, o primeiro (e já elogiadíssimo) longa-metragem do ator Guilherme Weber no posto de cineasta, que estreia nesta quinta (14), após quase um ano de sua primeira projeção popular, no Festival de Brasília de 2016. Saiu de lá com o troféu Candango de melhor direção de arte e com quilos de controvérsias por sua leitura alegórica, sensual e muito alarmista de Santa Maria do Circo, um romance do mexicano David Toscana.

Em Deserto, Weber testemunha as desventuras de uma maltrapilha trupe de circo-teatro pelos confins de um sertão sedento, sem CEP determinado. Não se fala em Nordeste, ou em Minas. Não se nomeia onde fica aquele lugar, percorrido por atores famintos, cujo líder (Lima Duarte, em participação curta, mas avassaladora) trata seu elenco com mão de ferro. Mas tudo muda quando eles encontram uma cidade fantasma.

Cansados de tanta andança, os personagens de Deserto enxergam no vilarejo abandonado mais do que um pouso: eles percebem que podem invadir as casas vazias e ali fundar uma nova pátria. Mas, para que isso possa funcionar, é necessário que cada um assuma um papel dentro dessa nova nação. Para isso, eles vão sortear suas funções. Assim, ao sabor da sorte, ou do azar, a  única adolescente da trupe (Pietra Pan) tira o papel de “caçadora”. O homem forte do circo (Márcio Rosário) fisga o papel de “prostituta”. Já o anão (Claudinho Castro) é eleito médico. E uma mulher careca e morfética (Magali Biff) se torna a médica, curando feridas a lambidas, numa perversão erótica do filme. Seu roteiro foi urdido em parceria entre o diretor e a escritora Ana Paula Maia (Carvão Animal). A fotografia é do português Rui Poças (de Tabu), o darling europeu do momento em termos de enquadramentos.

“Nosso cinema foi atropelado pelo naturalismo, mas neste meu primeiro processo, eu preferi apostar na liberdade de ousar”, diz Weber, que explicou seu processo de criação ao Omelete, na entrevista a seguir:

Omelete: Qual é o lugar da solidão em Deserto?

Guilherme Weber: O encontro com o livro de Toscana me trouxe febres ligadas a uma percepção de uma fronteira de relações onde não há possibilidades de criação na Arte. O abandono da possibilidade artística é a solidão, pelo menos para um ator como eu ou para atores como eles, que, impedidos de criar, retornam à selvageria. Há uma cena em que a personagem da atriz Cida Moreira queima um piano. Botar fogo naquele instrumento deixou Cida bem mexida, mas traduzia bem o impasse daquelas pessoas.    

Omelete: Você exibiu o filme ano passado em Brasília pouco tempo depois de sua consagração no teatro como diretor com a peça Os Realistas. No teatro, seu nome é um sinônimo de excelência, atuando e dirigindo. Como foi testar suas habilidades na função de cineasta?

Guilherme Weber: Foi um exercício de liberdade, mediado a partir de uma realidade geográfica muito dura. De uma certa forma, o Deserto nasce de Árido Movie, filme (de Lírio Ferreira) do qual eu fui protagonista. Foi minha primeiro papel de maior fôlego no cinema e me abriu contato com um mundo seminal para o entendimento do Brasil. O sertão é o nosso Complexo de Édipo, é o coração de nossa subjetividade. E eu fui falar desse lugar de dilemas concretos a partir de uma parábola. Para que ela fosse feita, eu estimulei os meus colegas atores a serem livres: pedia para que não tivessem medo do corpo, do cinema da palavra, dos planos silenciosos.

Omelete: De um lado tempos um mito da TV como Lima Duarte, mas, do outro, seu elenco aposta em rostos ainda pouco celebrizados aos olhos do público das mídias de massa audiovisuais. E entre as mulheres, você trouxe duas divas do teatro: Magali Biff e Cida Moreira. Como se dá a representação do feminino, em Deserto, a partir delas?

Guilherme Weber: Cida e Magali são a síntese das vanguardas brasileiras. Numa época sem internet, em que o Brasil ainda parecia um gigante, de território difícil de ser percorrido por inteiro, elas duas faziam, nos palcos de São Paulo, o que havia de mais moderno nas artes cênicas nacionais. Eram coisas que não chegavam a mim, lá em Curitiba, mas que me levavam aos teatros paulistas. Queria esse vanguardismo delas no filme. 

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