Filmes

Entrevista

Pequeno Segredo | "Devemos investir US$ 250 mil na campanha para o Oscar", afirma diretor

David Schurmann citou apoio de investidores privados e da Ancine

05.10.2016, às 16H35.

Motivo de rachas na classe cinematográfica e na crítica, por ter sido escolhido como o representante brasileiro na briga por uma vaga ao Oscar, contrariando a torcida em prol de Aquarius, o drama Pequeno Segredo, do catarinense David Schurmann, terá nesta quarta (5) sua primeira exibição para os votantes do Globo de Ouro, nos EUA.

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A projeção será a primeira de muitas, num movimento que pode levar a produção de R$ 9 milhões para concorrer na festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood no dia 26 de fevereiro. Há toda uma estratégia já traçada para o filme, que estreia nacionalmente no dia 10 de novembro, com uma estimativa de cerca de 250 cópias, fazendo, antes, uma passagem pelo Festival do Rio (6 a 16 de outubro). Em solo carioca, a sessão de gala será no dia 10, no Cine Odeon – Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro, às 19h30m.

Com base em fatos reais da família Schurmann, um clã de navegadores, ligados à morte de Kat (irmã adotiva de David), Pequeno Segredo traça a história de uma menina e de três mulheres que compartilham um fato secreto que mudará suas vidas. Questões como a convivência com soropositivos, tolerância e união familiar são pilares do projeto. Na trama, a pequena Kat sobreviveu a uma tragédia de sua infância e, após sua adoção, inicia uma jornada de aventuras. Heloisa, a guardiã do segredo, é uma mãe dedicada que luta para manter a integridade e união de seus familiares, mas ela sabe que o futuro é imprevisível. Em paralelo, uma jovem amazonense, Jeanne, descobre em seu amor por Robert, um estrangeiro. Mas o destino pode atrapalhar a relação entre eles. E temos ainda a saga de Bárbara, uma senhora que se tornou fria e solitária, mas que embrenhará num caminho para ser feliz de novo. Julia Lemmertz, Maria Flor, Fionnula Flanagan, Erroll Shand e Marcello Antony integram o elenco do filme.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Omelete, Schurman fala de suas escolhas estéticas, de seus planos para sensibilizar a Academia e das rusgas pró e contra seu longa.

Omelete: Filme mais polêmico do momento no país, por conta da escolha para o Oscar num momento de polarização política, Pequeno Segredo é feito por um diretor que tem mais de 20 anos de documentários no currículo. O quanto a sua experiência documental pesou aqui?

David Schurmann: Os trabalhos que eu fiz com a minha família são documentários sobre culturas. Embora eles tivessem um componente de aventura, no deslocamento pelo mar, o que mais interessava a esses filmes é o lado humano das pessoas envolvidas nas jornadas. Mesmo programas que fiz para a TV na Nova Zelândia, como uma série sobre jovens, tinham essa busca por contar histórias de pessoas. Quando meus pais adotaram minha irmã, a Kat (jovem soropositiva), eu notei que ali havia uma história afetiva, humana, a ser contada. Depois da morte da Kat, quando minha mãe fez da história da perda um livro, eu senti mais forte ainda a necessidade de contar esse relato, buscando retratar a condição das pessoas em volta dele. O elo de Pequeno Segredo com meus documentários foi o desejo de falar da vida de pessoas de culturas diferentes. Desde a faculdade e de cursos que fiz, ouvi um conselho, válido, de que, no seu primeiro longa de ficção, é importante narrar uma história muito próxima. E eu, depois de dirigir meus pais durante mais de 20 anos pelo mundo, aprendi a vê-lo com objetividade, na hora das filmagens. Com a câmera ligada, eles viram meus não-atores. Isso me deu objetividade.   

Omelete: O quanto Pequeno Segredo se articula com a tradição do melodrama?

Schurmann: O que eu mais tentei com este filme foi fugir do melodrama, pois a história real na qual me baseei, em si, já era algo forte, que faria chorar. O que eu fiz foi um drama, com D maiúsculo, onde eu simplesmente me preocupei em contar uma história que, em si, já era suficiente poderosa para emocionar. Para fugir de algum tom melodramático, de novelão, eu sequei tudo na narrativa: a câmera para quando poderia esta em movimento, a música cessa onde se esperariam melodias mais fortes. Mesmo as mortes que estão no filme são retratadas de maneira poética. Busquei fazer um filme que retratasse beleza e dor. Retratar a dor com fotografia pesada é um recurso manipulador.  

Omelete: O quanto seu fotógrafo, o aclamado peruano Inti Briones, foi fundamental para encontrar o visual capaz de retratar a dor sem excessos?

Schurmann: Inti usou quatro jogos de lentes no filme, ajudando a mostrar uma situação devastadora com brilho. O filme não tem um lookcontrastado, carregado nas cores, como virou uma certa marca do cinema brasileiro, num certo momento, depois ali de Cidade de Deus e de Tropa de Elite.Queria que Inti encontrasse pra gente um look próprio, como se Pequeno Segredo pudesse ser visto como um filme de qualquer lugar do mundo, universal. Pedia sempre para que ele levasse em conta a referência do elemento água, pois dela brota a vida. Usamos como referência o filme O Despertar de uma Paixão e, um pouco, nas tomadas aquáticas, Imensidão Azul, do Luc Bessonmas não como um lugar comum. A ideia era que o Inti encontrasse um visual nosso. E ele encontrou.

Omelete: Qual é o tipo de cinema que você está construindo, filme a filme?

Schurmann: Gosto do chamado “cinema no meio do caminho”, um tipo de filme com camadas profundas e muitas nuanças, mas que consegue dialogar de maneira aberta com diferentes representantes da sociedade, sem medo de ter algum componente de entretenimento. É o que que encontrei vendo 21 Gramas ou Babel, do Iñárritu. Tem isso também no Coppola, como se percebe em O Poderoso Chefão. Poderia dizer isso também de Crash – No Limite, embora ele seja um pouco mais comercial. A questão é que, desde a minha formação, as pessoas querem me encaixar num rótulo. Ou você faz filme ‘art-house’, experimental, ou você faz filme de mercado. É possível ser um pouco dos dois. Pequeno Segredo carrega um pouco de ambos, mas ele sofreu muito com a polêmica do Oscar e, por causa dela, muita gente foi vê-lo com um pé atrás. Mas se você chegar ao meu filme de coração aberto, vai perceber o que eu busquei.   

Omelete: Como será feita a campanha para o Oscar de Pequeno Segredo?

Schurmann: Depois da nomeação pela comissão do Oscar do MinC, nós entramos em contato com diretores e produtores que fizeram uma campanha em anos anteriores e muitos foram bem generosos com a gente. Um dos casos de maior generosidade foi o Fabiano Gullane, que teve indicações antes com O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias e com Que Horas Ela Volta?. Ele me falou das estratégias e me explicou o que os filmes nomeados por seus países precisam fazer. Meu produtor, João Ronie eu fomos somando essas dicas e contratamos o profissional responsável pela campanha de Que Horas... lá fora, o Steven Raphael. Ele nos disse que, lá fora, sobretudo nos EUA, ninguém leva em consideração essa polêmica que houve por aqui e contou que, todo ano, uns três ou quatro filmes indicados por seus países, chegam cercados de polêmica. Nesta quarta foi organizada a primeira exibição para os votantes do Globo de Ouro. 

Omelete: Quanto se gasta em um processo desses?

Schurmann: Um produtor americano que conheço, envolvido hoje num projeto com o Matt Damon, disse pra mim que gasta-se, lá, cerca de US$ 1 milhão para promover uma indicação. US$ 1 milhão é algo que nem sonhando a gente teria. Mas a estimativa, que estamos levantando com investidores privados e com o apoio da Ancine é de investir cerca de US$ 250 mil. Isso se investe em custo de projeções, de recepções, de relações públicas, de passagens.

Omelete: Seu filme dividiu opiniões mesmo sem estrear nacionalmente. As duas primeiras críticas publicadas em grandes veículos de comunicação foram bem distintas. Enquanto uma chamou o filme de "um dos piores dos últimos anos", a outra disse que foi um dos melhores. Como você encara esse Fla x Flu?

Schurmann: Pequeno Segredo não é um filme político. É um filme sobre o amor. No começo, eu senti um ataque covarde, porque vinham com uma vontade de surrar sem ter visto o filme. Estavam fazendo bullying com o filme. Pensava: ‘Calma aí, gente, menos ódio. O Brasil já está inflamado demais’. Eu não tenho culpa de nada. Eu apenas inscrevi meu filme em uma seleção pública, com outros títulos. Mas, depois de anos no mar, eu já peguei muita tempestade. Sei que as tempestades passam. E eu vi que, já no fim daquela semana da indicação, algumas pessoas estavam falando bem. Vinham aparecendo críticas contundentes, apontando pontos negativos e positivos. E isso é válido. As primeiras críticas, que bateram muito pesado, acabaram se desqualificando. Até cineastas fizeram chacota de mim. Mas agora, há um equilíbrio. E isso é o mais importante. Eu não quero dividir nada. A divisão só faz as pessoas que historicamente têm um pé atrás com nosso cinema ficarem ainda mais desconfiadas. Existem vários tipos de filme. Todos têm o seu lugar. Eu só quero é torcer pelo cinema do Brasil.

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